Crônica de Anita Harmon
“ Ave, Kusunoki: o Guerreiro que Ficou”
O Japão me recebeu com pés descalços sobre tatames e um cheiro de madeira antiga que parecia dizer: “Sente-se. Espere. Há séculos observando.” E eu, estrangeira de vestido azul, fiz silêncio para escutar o tempo.
Vim procurar um nome que não se esquece, mesmo que o corpo tenha virado terra: Kusunoki Masashige.
Ouvi primeiro no sussurro das velhas do clã Wada, que contavam sua história como quem benze arroz antes do cozimento: com respeito e uma pontinha de magia.
Ele não foi mártir. Foi guerreiro.
Não se matou — tombou.
Não desertou — ficou.
Ficou no campo de batalha de Minatogawa, quando muitos recuavam. Ficou porque acreditava que a dignidade de uma nação valia mais que o cálculo da própria sobrevivência. E quando caiu, levou consigo uma ideia que nem o tempo conseguiu matar: a de que a honra não precisa gritar para ser gigante.
Dizem que o Imperador lhe ordenou o impossível. E ele, ao invés de contestar, planejou com lucidez, com tática, com a serenidade cruel de quem sabe que o sacrifício pessoal é, às vezes, a última armadura do coletivo.
Não era fanático. Era estrategista.
Não era servo. Era soldado da consciência.
Enquanto escrevo, vejo uma menina de sete anos, com o sobrenome Wada escrito na etiqueta da mochila, fazendo careta para o sol nas ruas de Nara. Ela não sabe, ainda, que carrega o sangue de um samurai. Mas já dá sinais. Já bate o pé. Já pergunta: “Por que as meninas não podem mandar também?”
Ah, se Masashige a ouvisse! Talvez risse com o canto dos olhos e dissesse, com seu latim improvisado:
Fortitudo in puellis est — a força agora é delas.
No templo, deixei uma fita branca com seu nome. Não como homenagem, mas como aviso:
“Estamos aqui. Continuamos lutando. De outras formas. Com outros uniformes.”
As mulheres do clã Wada não empunham katanas. Mas sabem cortar o mundo quando preciso.
Com firmeza, com compaixão, com palavras afiadas.
E eu?
Eu sou só a cronista —
aquela que limpa a poeira das histórias e recolhe os fragmentos que brilham como espelhos quebrados.
Ave, Kusunoki.
Ave, os que ficam.
Ave, os que lutam por algo maior que si mesmos — sem perder a ternura nem a lucidez.