Sônia Lupion Ortega Wada
“Coragem é agir com o coração.”
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23/06/2025 04h07
Ave, Kusunoki: o Guerreiro que Ficou

 

Crônica de Anita Harmon

 

“ Ave, Kusunoki: o Guerreiro que Ficou”

 

 

 

O Japão me recebeu com pés descalços sobre tatames e um cheiro de madeira antiga que parecia dizer: “Sente-se. Espere. Há séculos observando.” E eu, estrangeira de vestido azul, fiz silêncio para escutar o tempo.

 

Vim procurar um nome que não se esquece, mesmo que o corpo tenha virado terra: Kusunoki Masashige.

 

Ouvi primeiro no sussurro das velhas do clã Wada, que contavam sua história como quem benze arroz antes do cozimento: com respeito e uma pontinha de magia.

 

Ele não foi mártir. Foi guerreiro.

Não se matou — tombou.

Não desertou — ficou.

 

Ficou no campo de batalha de Minatogawa, quando muitos recuavam. Ficou porque acreditava que a dignidade de uma nação valia mais que o cálculo da própria sobrevivência. E quando caiu, levou consigo uma ideia que nem o tempo conseguiu matar: a de que a honra não precisa gritar para ser gigante.

 

Dizem que o Imperador lhe ordenou o impossível. E ele, ao invés de contestar, planejou com lucidez, com tática, com a serenidade cruel de quem sabe que o sacrifício pessoal é, às vezes, a última armadura do coletivo.

 

Não era fanático. Era estrategista.

Não era servo. Era soldado da consciência.

 

Enquanto escrevo, vejo uma menina de sete anos, com o sobrenome Wada escrito na etiqueta da mochila, fazendo careta para o sol nas ruas de Nara. Ela não sabe, ainda, que carrega o sangue de um samurai. Mas já dá sinais. Já bate o pé. Já pergunta: “Por que as meninas não podem mandar também?”

 

Ah, se Masashige a ouvisse! Talvez risse com o canto dos olhos e dissesse, com seu latim improvisado:

 

Fortitudo in puellis est — a força agora é delas.

 

No templo, deixei uma fita branca com seu nome. Não como homenagem, mas como aviso:

“Estamos aqui. Continuamos lutando. De outras formas. Com outros uniformes.”

 

As mulheres do clã Wada não empunham katanas. Mas sabem cortar o mundo quando preciso.

Com firmeza, com compaixão, com palavras afiadas.

 

E eu?

Eu sou só a cronista —

aquela que limpa a poeira das histórias e recolhe os fragmentos que brilham como espelhos quebrados.

 

 

 

Ave, Kusunoki.

Ave, os que ficam.

Ave, os que lutam por algo maior que si mesmos — sem perder a ternura nem a lucidez.

Publicado por Sonia Lupion Ortega Wada
em 23/06/2025 às 04h07
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