Flor em Solo de Cinzas
Houve um tempo em que o corpo pareceu desabar.
As palavras vinham devagar, o intestino também.
Os exames falavam em siglas duras. O nome era um: câncer.
Mas antes que o silêncio se fechasse de vez, eu escrevi.
Como quem lança uma corda para dentro do próprio abismo:
“Renascemos quando damos nome ao que sentimos — e deixamos de temer.”
Foi então que tudo mudou.
Porque nomear é resistir.
Dizer tenho câncer, sim — mas dizer também: sou feita de outras coisas.
Sou filha, mãe, avó.
Sou riso de manhã, chá quente à noite, silêncio escolhido.
Sou memória da menina que cresceu olhando o céu do interior e ouviu sua avó dizer que flor que nasce na seca é a mais bonita.
Dar nome ao medo foi o primeiro passo.
Depois vieram os outros:
Cuidar do corpo com carinho.
Ouvir o que o fígado cansado tem a dizer.
Reaprender a comer com amor.
Deixar o choro escorrer quando necessário.
E, um dia, sem perceber, brotou.
Não uma cura definitiva.
Mas algo ainda mais profundo:
a reconciliação com a vida que insiste, mesmo em meio às perdas.
É que dentro de mim havia ainda seiva.
Havia neta.
Havia sol.
Sonia Lupion Ortega Wada