Missing You
Para José Robles Ortega
Um grande homem,
Meu pai, com todas as honras.
Querido Pai,
Não sou digna de perquirir os mistérios da vida. Apenas te vejo — e, quando isso acontece, já não sei se sei ouvir, cheirar, tocar. Amplifico-me para além de mim, e tua voz me incandesce com uma luz outra — que já não é fria, pois tem a tinta dos verões.
Eu tinha icebergs flutuando nos olhos. Há muito, a umidade fria do longo inverno me acabrunhara as juntas, compactara os ossos, ressecara as peles.
Adentro teu quarto. A claridade tosca — metade janela, metade sensação — sou eu, escuroclara. E és tu, que foste um dia semente-luz, agora um breu roto.
Blasfemo contra as incertezas, contra meus sentires, contra a lágrima que se faz grilhão. Mas não há loucura nesse meu ato de desdobrar-me longe — porque há de ser assim, e de nenhum outro modo, esse nosso reencontro.
“Então vamos”, disseste.
E recuperamos o mundo na plenitude da vida.
Percebo tua fragilidade ao sair às ruas, ao tocar o dia, ao ouvir — de novo — a alegria da vida quando ela se instala. E sabes? Ela é súbita. Leve. Como andorinha flutuando no ar.
Perguntas-me o que nunca aprendi a não perguntar.
Minha resposta é uma risada aberta — já com medo da queda.
Porque perdoar não é fácil…
Mas eu preciso.
Preciso lhe pedir perdão.
Para que eu renasça.
Para que a vida rebrote nos meus parques, nos meus interiores, nas minhas músicas, na poesia.
Para que tudo — o que passou, o que virá, o bem, o mal, e a grandiosidade de tudo o que há — diga enfim:
Estamos quites.
É preciso um beijo primaveril.
Foi preciso a poesia brotar para lhe dizer:
PAI, EU TE AMO.
Com todo o meu coração,
Sua filha, Sônia.