Lugar Que Se Volta Nunca É o Mesmo
Sônia Lupion Ortega Wada
Alguma vez me disseram que é preciso saber que alguns sonhos, sonhos são.
Eu, aquela mulher-pássara, faminta de concretude, discordei.
Faz tempo isso — eram os Anos Dourados. Hoje, por conta de alguns, caminho pelos sonhos pisando levemente.
Desde os meus dezesseis anos, sonhava em estar com ele — o Meu Menino.
Estar com ele em noite de lua cheia, olhos nos olhos, nos amando sobre os jornais.
Sonho inteiramente plausível a um suburbano coração.
Já estivemos muito perto um do outro. Eu, com todo o sentimento no olhar. Ele, passando por todos os tablados seus raios verdes de sol e chuva, cantando uma canção nas minhas lembranças.
Somos assim: vivemos o presente com o pé no passado, e nessas buscas, revivemos momentos únicos — que não voltam mais. A vida sempre coloca o passado no nosso presente.
E do nada reencontrei o primeiro amor, depois de vinte anos.
Eu, vivendo meus dias, minha realidade, longe dos sonhos.
Ele, vivendo a dele — talvez sonhando encontrar em mim a mesma menina.
O reencontro, claro, foi virtual: apenas palavras. Nunca nos olhamos nos olhos, apenas por fotos.
Mudamos fisicamente. Mudamos a alma.
O sonho, do nada, corre o risco de deixar o passado — mas no presente, o Meu Menino é um sapo amargurado.
E pensar que, nas horas difíceis da vida, agarrei-me nesse passado, sonhando que com ele poderia ter sido melhor, poderia ter sido mais amada, mais compreendida.
Poderia ter vivido um Love Story eterno.
Qual o quê. Quando vi o passado batendo à minha porta, vibrei.
Cheguei a iludir-me com velhos sonhos.
Percebi que entrar nos bastidores do passado não seria acalanto.
Nunca quis ser bem-vinda. Nunca quis partilhar seu cálice.
Não queria estar cara a cara, em meio a tantas palavras.
Havia dois oceanos nos separando — para o bem dos meus sonhos.
Hoje eu sei: quero ser a eterna menina,
ver-me em todas as vitrines do meu passado,
brincando de esconde-esconde com a permuta dos sonhos.
Só o quero no meu sonho impossível.
E, ao som de um blues, deslizar meu olhar pelo seu retrato em branco e preto,
e deixá-lo preenchendo, de todas as maneiras, o meu desvairado cotidiano.
Hoje, eu o tenho na parede da minha memória — nada mais.
Não quero substituir boas lembranças por um presente recalcado, frustrado e chato.
O primeiro amor faz parte do passado,
e lá deve permanecer.
Porque agora eu sei: lugar que se volta nunca é o mesmo.