Eu sou uma pessoa criada no interior, acostumada à vida simples, a dar “bom dia” ao vizinho, ao padeiro e ao leiteiro. Meus pais são pessoas humildes, sem muita cultura formal. Éramos pobres. Fui educada com rigidez e com muitos exemplos de moral, ética e dignidade.
Quando vi uma reportagem sobre um corpo esquecido na calçada de uma lindíssima praia do Rio de Janeiro, passei dias e dias ruminando meus pensamentos, profundamente indignada com o comportamento humano. Indiferentes ao corpo, pessoas passeavam, tiravam fotos, sorriam — e o corpo ali, incorporado à paisagem, como se fosse uma pedra. Vi ali uma sociedade desabada, priorizando o bem-estar e a satisfação individual. Um mundo onde salvar a si mesmo parece ser o único objetivo. Chocou-me profundamente a indiferença: pessoas destruindo o que não conseguem transformar. Pessoas criadas sem ética, mergulhadas em sua barbárie pessoal.
Sem ética e sem moral, tratando a miséria e a pobreza como “coisas”, como poderá a sociedade brasileira solucionar problemas sociais tão urgentes?
O filósofo inglês Thomas More já dizia: “Nenhum homem é uma ilha”. Isso quer dizer que o convívio é parte essencial da vida — precisamos uns dos outros para estarmos vivos.
No dia a dia, deparamo-nos com problemas diretamente ligados ao nosso comportamento e decisões que exigem avaliação. Mas não temos o costume de questionar, de pensar criticamente. Agimos por hábito, e, assim, perdemos a capacidade de análise diante da realidade. Embalados pelas atitudes dos outros, muitas vezes para não parecerem diferentes, ou para evitar constrangimentos, as pessoas fingem indiferença. Acredito que foi isso que aconteceu com aquelas que tiravam fotos sorridentes naquela praia, indiferentes ao corpo no chão. Ninguém quer problemas. Envolver-se exigiria chamar a polícia, participar de um inquérito, perder algumas horas, talvez de trabalho, enfrentar momentos difíceis — olhar para aquele corpo e colaborar com as investigações.
A indiferença, então, não está apenas relacionada ao corpo. Está ligada ao medo de se envolver, à fuga do incômodo. É isso que faz o ser humano isolar-se em sua ilha. Essas pessoas assistem ao mundo pela televisão e pela internet. Lamentam, escrevem palavras bonitas, textos repletos de metáforas que transmitem paz, amor, ternura — mas não falam do quanto são cruéis por se manterem omissas.
Dormem tranquilos. Desligam os aparelhos. Adeus problemas sociais. Sentem-se aliviados, acreditando que não têm culpa pela pobreza do mendigo que dorme enrolado em jornais. Ignoram sua própria responsabilidade diante das injustiças sociais.
Enquanto acharmos normal “levar vantagem”, aceitarmos famílias inteiras abandonadas nas ruas, tratarmos as favelas como se fossem apenas um detalhe estético na arquitetura urbana, ou acharmos natural desrespeitar-se como ser humano — não haverá transformação.
Sigo em frente, aliviada. Sei que, assim como eu, existem pessoas que querem transformar. São seres humanos que se envolvem, lutam contra as injustiças, denunciam preconceitos, educam seus filhos com dignidade e valores. Pessoas que compreendem que sentimentos como amor e compaixão abrem portas onde antes só se via muros. Pessoas que sabem: somos todos iguais, e todos desejamos o mesmo — viver numa sociedade justa e igualitária, sem medo, sem angústias, sem insegurança. Em harmonia.