Dormi muito pouco à noite. Fiquei rolando na cama, pensando no menino americano que não aceitou a frustração. Foi expulso do colégio, sacou sua arma e matou. Provocou pânico, horror, e horrorzidado com sua violência, tirou também a própria vida.
Pensei horas nessa criança, e resolvi escrever este texto. O título seria Não maltrate sua criança, mas mudei o rumo da prosa quando a minha criança — um menino de onze anos — chegou em casa tarde, muito tarde. Irritada com a atitude, impaciente, saí procurando-o pela vizinhança… Estava na casa do amiguinho. Telefonei e pedi que voltasse. Não retornou. Só apareceu em casa uma hora mais tarde.
Ele entrou e ajoelhou-se, do jeitinho japonês, pedindo-me perdão. Viu que meu coração amoleceu e, com a voz suave, eu lhe disse:
— Vá tomar banho.
Mas ele continuou ali, olhando para mim, e perguntou:
— O que teremos para o jantar?
Respondi, ainda com o olhar duro, pois percebi que ele estava enrolando o banho:
— Hoje vou fazer panquecas.
— Panquecas? O que é isso?
— É quase igual a um crepe, mas faço com carne.
Ele achou interessante e veio ajudar-me. Assim, fomos pelar os tomates. Nos olhinhos do menino, a descoberta do mundo. Um novo mundo que ele desconhecia.
— Por que pelar os tomates? — foi a pergunta que lhe veio.
— Pelar os tomates é para que o molho fique mais denso, mais saboroso. É um carinho para quem irá saboreá-lo, pois a pele não se desfaz e fica esquisito comer a pele solta no meio do molho.
Ele aceitou a resposta, e nesse tempo que passamos juntos, desatou a contar-me sobre seu dia, sobre os amigos e as coisas interessantes que aprendeu na escola.
Pensei no garoto americano. Se ele tivesse tido alguns minutos por dia de boa conversa com sua mãe, talvez estivesse por aí correndo, soltando pipa, com o vento nos cabelos… sorrindo sempre.
As dificuldades econômicas levam as mulheres a buscarem trabalho para ajudar no sustento da casa. Eu tenho uma rotina diária de dez horas na fábrica. Quando retorno, preciso preparar o jantar, lavar as roupas… Um corre-corre louco e pouco tempo para os filhos. Assim é em quase todos os lares.
Se todas as mães doassem quinze minutos — apenas quinze minutos — para seus filhos, sentando-se ao seu lado, mesmo que fosse para assistir televisão, já seria um ato de amor. A criança sente-se feliz por ver a mãe interagindo com seu mundo. Os diálogos surgem, pois os pais estarão convivendo mais com seus filhos, saberão dos seus gostos e de tudo o que lhes fascina.
Esse sentar ao lado deles é mais amplo, pois em seguida vem o toque: uma mão que procura a sua, uma perna jogada sobre a sua, uma troca de olhares… em silêncio, unidos pelo prazer de reencontrar-se no fim do dia.
Eu estava furiosa, pois já passava das vinte horas quando ele retornou. Jurei que lhe daria umas palmadas.
Mas raiva alimenta raiva. Se eu lhe desse as palmadas, não teríamos vivido esse momento mágico.
Esse momento gostoso que acontece do nada — e que transforma nosso pensar, nosso sentir.
Não maltrate sua criança.
Aprenda muito com ela.
Amor não tem medida, nem dose certa… amar é amar. E pronto.