Sônia Lupion Ortega Wada
“Coragem é agir com o coração.”
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Entre as Frestas

 

Eu ouvi os seus recados,

mas neste agora,

não me atentei,

por preguiça ou desdém.

Sempre ouvia o mar,

naquele caracol encontrado

na praia,

que deixou sua lembrança espalhada pela casa.

 

Senti seu cheiro,

como as coisas tocadas pela alma,

o caracol transcendendo o tempo

que não era o seu tempo.

Você, Meu Senhor,

nunca falou sobre o tempo,

enviando-me seus chamados,

pacientemente,

na música da guitarra do menino,

coloridos metais

que se tocam primeiro com o olhar,

depois, com os dedos,

invocando o som,

o som buscando o resto.

 

Mudou a música,

mudou o senso,

e eu, distraída,

não pensei que o seu agora

não existia para mim.

 

E foi naquele sol

que se deita de lado,

iluminando as frestas

por onde espio,

véu após véu,

enquanto o corpo se abandona

na tarde silenciosa.

Embaixo, a poesia amassada

de um caderno mal fechado.

 

Qual será a poesia

agora, que me chama,

me amassa,

mistura as letras,

arrebata o olhar?

Olhar de dentro da alma,

um templo inexplorado,

onde o único caminho

era a sua voz,

inserida na luz mais pura e brilhante.

 

Neste instante,

entre a sombra e o que deleita,

os olhos da menina

que não acordou por inteiro.

O livro da vida aberto,

a poesia embaixo,

a vida em cima.

Entre as frestas,

a luz que chama,

mas não abre as portas.

Era preciso olhar profundo,

mergulhar no caracol.

 

Matéria concreta,

que não deixava avançar,

necessária a reza certa,

o poema declamado por inteiro.

Mas lá estavam as poesias,

desenhadas de lado,

emolduradas no poente,

arrebatando os olhos da menina,

que ainda não sabe pedir.

 

Ah, se soubesse…

Amassaria todos os cadernos,

e a pauta ficaria branca,

como o espaço entre a alma e a matéria,

não conseguia transpor o véu,

mas espiei margaridas

colhidas antes do tempo.

 

Atravessando mais que paredes:

milhas.

Tenho essa afoiteza de querer ceifar no tempo,

mas tempo não existiu nesta cena.

E a vontade que não me deixa pensar,

hipnose ou covardia,

mas é aí que entendo,

quando as flores estão prontas.

 

A dança dos olhos vira

dança de mãos de menina,

já não precisa das frestas,

as cortinas dos olhos entreabertos

revelam-NO por inteiro.

Neste ponto, a música muda,

mexendo e remexendo a palavra

na garganta,

o fôlego inteiro,

vida numa única respiração.

 

No silêncio mais profundo,

dentro da menina,

transcende espaços-milagre,

encontrando nas margaridas,

em mosaicos,

um cristal dourado:

“EU SOU.”

É o seu Lord,

a razão pela qual todas as tardes existem.

Sônia 

 

Sonia Lupion Ortega Wada
Enviado por Sonia Lupion Ortega Wada em 03/05/2025
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