Sônia Lupion Ortega Wada
“Coragem é agir com o coração.”
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Crônica dos Noves Infernos

Texto inspirado na Obra Divina Comédia.

 

A Divina Comédia, escrita por Dante Alighieri no século XIV, é uma das obras mais importantes da literatura mundial. Trata-se de uma jornada alegórica pela alma humana rumo à salvação, dividida em três partes: Inferno, Purgatório e Paraíso.

 

 

Crônica dos Noves Infernos

 

Há um lugar onde os destinos se separam conforme os pecados. Não é um único inferno — são vários. Cada um com sua especialidade, seu tormento feito sob medida. Não há engano, dizem. Mas há exceções.

 

Comecemos pelo Inferno do Caldeirão. Antigamente, era exclusivo para ladrões. Hoje, recebe também homicidas. Ali, a punição é fervente: o corpo é cozido vivo, sem descanso, sem alívio. Um castigo que se repete, como se o tempo não existisse, apenas a dor.

 

Depois, temos o Inferno Puxa-Línguas. Feito para os que pecaram com a palavra: mentirosos, golpistas, traidores. Ali, a língua é puxada até alcançar o tamanho do pecado cometido. Os gritos se perdem no vento, pois ninguém escapa do veredito da própria voz.

 

O Inferno Congelante é reservado aos crimes mais cruéis: assassinos, estupradores, violentos por escolha e por vício. Ali, não há fogo — há gelo. Um frio tão absoluto que congela a alma por 200 milhões de anos. Um castigo longo, talvez até confortável demais para tamanha brutalidade.

 

No Inferno Esmagador, os adúlteros pagam o preço do desejo fora de lugar. Duas montanhas se aproximam, lentamente, como se dessem tempo ao arrependimento. Mas ao final, esmagam os corpos, repetidas vezes, num ciclo sem pausa.

 

Para os que feriram com drogas, álcool ou violência física, há o Inferno dos Gritos. Ali, os pecadores andam sobre cordas incandescentes. Cada passo é uma escolha. Se caem, mergulham direto na lava viva. Não há descanso, só o eco de seus próprios gritos.

 

O Inferno Escaldante é um tormento sem fim. Enganadores, políticos corruptos, líderes religiosos inescrupulosos… todos encontram ali sua morada. Não se morre. E tampouco se vive. Apenas se arde. É o castigo da manipulação, da mentira vestida de poder.

 

Mas há ainda o mais intrigante de todos: o nono grupo — o dos sem grupo. Aqueles que estão ali… por engano? Dois tipos habitam essa categoria. Os que estão em experiência de quase morte — que ainda podem retornar à Terra — e os que não se qualificam nem para o inferno. Estes últimos esperam. São avaliados com rigor: serão merecedores de tormento eterno ou há uma chance de luz?

 

E então, há uma categoria não nomeada. O Inferno Raiz. O abismo reservado àqueles que cometeram todos os pecados. Para esses, não há grupo fixo. Eles percorrem todos os infernos, um por um, num ciclo infinito. Queimam no caldeirão, congelam por eras, têm a língua puxada até o céu, são esmagados entre montanhas, caem na lava, caminham nas cordas, vivem sem morrer e morrem sem viver.

 

E o pior: lembram de cada etapa anterior e da próxima. Não há esquecimento. Não há trégua.

 

Às vezes, esses também caem no nono grupo. Não por engano. Mas por excesso. Um caso tão extremo que até os demônios hesitam. A avaliação é lenta, silenciosa, como se o próprio inferno tentasse entender o que fazer com uma alma assim.

 

Ah… o último ainda não foi revelado. Dizem que será aberto quando o ser humano criar um pecado ainda mais terrível que todos os anteriores. E, conhecendo os homens… é só questão de tempo.

 

Mas há uma brecha. Um frasco escondido em meio ao fogo e ao gelo. Um antídoto silencioso e esquecido por muitos: o Perdão.

 

Não é fácil de alcançar. Não se vende, não se compra. É preciso buscá-lo antes da queda. Ou, se ainda houver um resquício de luz na consciência — mesmo no fundo do abismo — talvez ele surja. Não para apagar os pecados. Mas para impedir que eles sejam a única verdade da alma.

 

Alguns poucos já foram poupados. Por gestos verdadeiros, por arrependimentos que rasgaram o peito como lâmina fina. O Perdão não anula o castigo, mas pode, às vezes, interromper a sentença.

 

E ali, onde tudo parecia perdido, nasce uma tênue esperança. Um sopro. Talvez seja pouco. Mas, para uma alma em tormento… pode ser tudo.

 

By Sônia

Sonia Lupion Ortega Wada
Enviado por Sonia Lupion Ortega Wada em 04/05/2025
Alterado em 04/05/2025
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