Entre a Doutrina e o Silêncio
por Sonia Lupion Ortega Wada
Cresci ouvindo sobre espíritos.
Sobre almas que voltam, lições que se entrelaçam, caminhos que se cruzam entre os mundos.
Allan Kardec me ensinou a pensar a espiritualidade com lógica.
Divaldo Franco me ensinou a sentir com o coração.
Com eles, aprendi que o amor atravessa a morte,
e que viver é sempre um ato de aprendizado.
Mas então, cruzei o mar.
E o vento do Japão me trouxe outro sussurro.
Aqui, o espírito não fala — ele respira.
Não se explica — se contempla.
O budismo não me prometeu céu, nem me falou do além.
Ele me olhou nos olhos e disse: “tudo muda.”
E eu compreendi.
Comecei a entender que a dor não precisa ser um castigo,
mas um convite à purificação, à mudança de sentimento,
ao renascimento interior — instante por instante.
Entre um e outro, construí minha casa interior.
Com a clareza do Ocidente e a leveza do Oriente.
Com o consolo dos espíritos e a quietude dos monges.
Com os passes de luz e o vapor do chá.
Sou feita de contraste e conciliação.
Falo com os mortos e medito com os vivos.
Acredito na transformação interior.
Na vida após a morte e na morte de velhos sentimentos dentro da própria vida.
Aqui, no Japão, entendi que espiritualidade também é estar presente.
Que varrer o chão pode ser oração.
Que um bonsai pode ensinar mais que um livro.
E que Deus, às vezes, mora num gesto lento, num olhar demorado, num silêncio partilhado.
Não deixei de ser espírita.
Mas deixei de ser só isso.
Agora, sou espaço.
Sou ponte.
Sou céu aberto para tudo o que é sutil, verdadeiro e essencial.
Minha “Religião” é o amor.