Quando a morte chegar,
quero que seja leve, como o cair de uma pétala.
Que o tempo se deite ao meu lado, sem pressa, e que o mundo, por um instante, se silencie.
Peço a Deus que plante higanbanas
nas margens do caminho por onde minha alma irá passar —
vermelhas, silenciosas, como despedidas que não doem.
Que me guiem, como pequenos faróis,
até onde o céu começa a se abrir.
Quero estar protegida…
do frio, das sombras, do esquecimento.
E que ao meu lado caminhe meu anjo —
aquele que sempre soube meu nome inteiro — e seu cavalo de olhos calmos, passos firmes,
como quem conhece cada curva entre a vida e o depois.
Não quero temer.
Quero flores que afastem o que é escuro,
e deixem passar só o amor que ficou.
Quero lembrar dos rostos que amei,
como se ainda os tocasse com a ponta dos dedos.
E, ao cruzar o Sazu no Kawa
quero sorrir devagar…
sabendo que fui esperada,
que tudo o que vivi foi semente,
e que a eternidade começa ali —
onde a última higanbana repousa em paz.
By Sônia
Nota explicativa – O Sanzu no kawa
Na tradição espiritual japonesa, o Sanzu no kawa (三途の川), ou “rio dos três caminhos”, é o rio que as almas cruzam após a morte. Diz-se que, conforme a vida que levaram, elas atravessam por uma ponte, por águas rasas ou por trechos turbulentos. Assim como o rio Estige da mitologia ocidental, o Sanzu representa o limite entre o mundo dos vivos e o além.
Ao longo de suas margens, florescem as higanbanas, lírios vermelhos associados ao outono e à separação — flores que marcam a travessia da alma, não com dor, mas com a beleza silenciosa de um adeus sereno.
No poema, essa travessia é feita com paz, amor e lembrança, guiada por um anjo e por tudo que floresceu em vida.
(imagem: Google)