Sônia Lupion Ortega Wada
“Coragem é agir com o coração.”
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Abelhas na Chuva

 

 

(à mulher japonesa)

 

Elas andam curvadas de silêncio,

sob guarda-chuvas de códigos e rotinas.

Têm o passo contido — mas o olhar, vasto.

E mesmo assim, dizem: Okusan.

“A do fundo da casa.”

A que serve. A que espera. A que sustenta calada.

 

Mas eu as vejo.

Abelhas na chuva.

Rainhas com asas pesadas

que ainda voam,

mesmo quando o céu lhes nega abrigo.

 

Acolhem filhos, velhos, culpas.

Trabalham dobrado. Pensam triplo.

Não dormem, mas sonham.

Não gritam, mas lutam.

São exímias na doçura

e mestres na resistência.

 

Carregam uma dor que não nomeiam,

mas em cada gesto,

em cada chá servido,

há uma poesia que o mundo não quis traduzir.

 

Porque elas são mais.

São mais do que a sombra de um marido no tatame.

Mais do que a palavra contida.

Mais do que um lugar na cozinha.

 

São abelhas.

E mesmo encharcadas de sistema,

ainda fazem mel com o que têm.

E ainda voam — mesmo sem aplauso.
by Sônia

 

 

 

Justificativa para o poema

Abelhas na Chuva

 

 

“Abelhas na Chuva” nasce do olhar sobre a mulher japonesa — essa figura tão forte quanto silenciada, tão essencial quanto invisibilizada.

É um poema que transforma a imagem da abelha — símbolo de trabalho, doçura e realeza — em metáfora social e existencial.

 

A mulher japonesa, mesmo com toda sua inteligência, capacidade e sensibilidade, ainda vive sob estruturas sociais rígidas que a contêm.

Mesmo quando ocupa o centro do lar, é muitas vezes tratada como “Okusan” (奥さん) — literalmente,

“a pessoa do fundo da casa” “

Aquela que não caminha ao lado, mas atrás do marido.

A que serve. A que espera. A que sustenta calada o Goshujinご主人" ( forma usada para marido que significa: Dono, Patrão)

— um termo que carrega o peso simbólico de invisibilidade, de recuo, de não pertencimento ao espaço público ou decisório.

 

Essa abelha na chuva, então, é a mulher que voa mesmo com as asas molhadas — pesada de expectativas, limitada por papéis sociais, e ainda assim viva, produtiva, sensível.

Ela é rainha por essência, mas vive como se não tivesse trono.

 

A metáfora é lindamente dolorosa porque retrata não apenas uma condição cultural específica, mas um fenômeno humano mais amplo: o silêncio imposto às mulheres que sustentam o mundo em silêncio.

 

Este poema é uma homenagem — e também um grito.

Uma forma de dizer que essas abelhas, mesmo encharcadas pelo sistema, ainda fazem mel.

E, sobretudo, ainda voam.

Sonia Lupion Ortega Wada
Enviado por Sonia Lupion Ortega Wada em 18/05/2025
Alterado em 18/05/2025
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