Abelhas na Chuva
(à mulher japonesa)
Elas andam curvadas de silêncio,
sob guarda-chuvas de códigos e rotinas.
Têm o passo contido — mas o olhar, vasto.
E mesmo assim, dizem: Okusan.
“A do fundo da casa.”
A que serve. A que espera. A que sustenta calada.
Mas eu as vejo.
Abelhas na chuva.
Rainhas com asas pesadas
que ainda voam,
mesmo quando o céu lhes nega abrigo.
Acolhem filhos, velhos, culpas.
Trabalham dobrado. Pensam triplo.
Não dormem, mas sonham.
Não gritam, mas lutam.
São exímias na doçura
e mestres na resistência.
Carregam uma dor que não nomeiam,
mas em cada gesto,
em cada chá servido,
há uma poesia que o mundo não quis traduzir.
Porque elas são mais.
São mais do que a sombra de um marido no tatame.
Mais do que a palavra contida.
Mais do que um lugar na cozinha.
São abelhas.
E mesmo encharcadas de sistema,
ainda fazem mel com o que têm.
E ainda voam — mesmo sem aplauso.
by Sônia
Justificativa para o poema
Abelhas na Chuva
“Abelhas na Chuva” nasce do olhar sobre a mulher japonesa — essa figura tão forte quanto silenciada, tão essencial quanto invisibilizada.
É um poema que transforma a imagem da abelha — símbolo de trabalho, doçura e realeza — em metáfora social e existencial.
A mulher japonesa, mesmo com toda sua inteligência, capacidade e sensibilidade, ainda vive sob estruturas sociais rígidas que a contêm.
Mesmo quando ocupa o centro do lar, é muitas vezes tratada como “Okusan” (奥さん) — literalmente,
“a pessoa do fundo da casa” “
Aquela que não caminha ao lado, mas atrás do marido.
A que serve. A que espera. A que sustenta calada o Goshujinご主人" ( forma usada para marido que significa: Dono, Patrão)
— um termo que carrega o peso simbólico de invisibilidade, de recuo, de não pertencimento ao espaço público ou decisório.
Essa abelha na chuva, então, é a mulher que voa mesmo com as asas molhadas — pesada de expectativas, limitada por papéis sociais, e ainda assim viva, produtiva, sensível.
Ela é rainha por essência, mas vive como se não tivesse trono.
A metáfora é lindamente dolorosa porque retrata não apenas uma condição cultural específica, mas um fenômeno humano mais amplo: o silêncio imposto às mulheres que sustentam o mundo em silêncio.
Este poema é uma homenagem — e também um grito.
Uma forma de dizer que essas abelhas, mesmo encharcadas pelo sistema, ainda fazem mel.
E, sobretudo, ainda voam.