Mulher-Cavalo

Capítulo 2 – A Alma Tem Casco

Às vezes, me pergunto por que sangro por dentro e ninguém vê.

Por que minha alegria relincha em silêncio,

por que minha dor tem crinas.

Descobri que minha alma tem casco.

E não é metáfora — é memória.

Ela trota pelas margens do visível, atravessa campos que outros chamam de loucura,

mas que eu reconheço como origem.

Cresci tentando disfarçar meu trote interior,

engolindo a vontade de correr só porque ninguém entendia o galope.

Mas chega uma hora que a alma tropeça em si mesma —

e ou a gente escuta,

ou ela some.

Minha alma tem casco, sim.

Tem marcas do barro que enfrentei,

tem rachaduras de todas as vezes que tentei voltar por caminhos que já não existiam.

E mesmo assim, ela não para.

Porque o que tem casco, tem destino.

Não um traçado por outros,

mas um chamado que pulsa sob a pele,

como tambor distante anunciando: é hora.

Minha alma, como o cavalo, reconhece atalhos secretos.

Sente a direção antes do mapa.

Pressente o perigo antes da flecha.

Ela não precisa de lógica —

precisa de instinto.

E toda vez que tento me encaixar,

ela empina.

Toda vez que tento fingir leveza que não é minha,

ela se ajoelha, mas não se rende.

Minha alma tem casco, Sônia.

E às vezes, ela pisa firme demais para quem só sabe andar em bico de pena.

Mas é assim que ela se mantém viva:

correndo onde não há trilha,

lembrando que a liberdade não é destino —

é natureza.