Mulher-Cavalo
Capítulo 3 – Guardiã dos Véus
Há silêncios que só quem galopa escuta.
Sons antigos, enterrados sob o barulho do mundo.
Chamados que não vêm de fora,
mas de dentro —
do fundo da alma, onde moram os mitos esquecidos.
O cavalo sempre soube.
E eu, que me reconheço nele, também sou feita desse saber que não se aprende.
Sou guardiã dos véus.
Não por escolha, mas por natureza.
Carrego em mim uma ponte invisível.
Entre o que se vê e o que se pressente.
Entre o que se toca e o que se sonha.
Fui criada entre as palavras, mas compreendo o que vive no silêncio.
Aprendi a falar com os olhos do mundo fechados,
e a receber mensagens que vêm sem voz.
Os mestres sempre confiaram nos cavalos.
Não é à toa.
Eles sentem as dobras do tempo.
Pressentem os caminhos que ainda não se abriram.
E quando correm, não é apenas com o corpo —
é com o espírito que atravessa mundos.
Eu também caminho assim.
Com os pés na terra e a cabeça entre estrelas,
meus pensamentos são orações em movimento.
Minhas cicatrizes são mapas.
Minhas intuições, bússola.
Às vezes sou tomada por uma presença que não sei nomear.
Um arrepio.
Uma certeza sem prova.
Uma imagem que chega antes do raciocínio.
E então sei: estou passando o véu.
Não sou bruxa.
Nem santa.
Sou mulher que escuta com o corpo inteiro.
Sou cavalo que carrega recados do invisível.
Há quem diga que é devaneio.
Mas os cavalos sabem:
os que atravessam véus não têm medo do escuro.
Eles se guiam pela luz que arde por dentro —
uma chama que não se apaga mesmo na escuridão.
Sou guardiã dos véus.
E onde a maioria vê névoa,
eu vejo caminho.