Janelas da Infância Ainda Estão Abertas
(para Elixandra — e para todas as meninas que ainda moram dentro das mulheres que somos)
Minha infância não acabou.
Ela apenas se escondeu em cantos sutis — no cheiro do arroz recém-cozido, no barulho do varal balançando com o vento, na palavra antiga que escapa sem que eu perceba.
Ela vive em mim como uma vela acesa num quarto que às vezes esqueço de visitar.
Foi na infância que aprendi o silêncio.
Não o silêncio do medo, mas o da contemplação.
Eu ficava horas olhando a chuva escorrer pelo vidro, inventando histórias nas poças d’água.
Ali, descobri que o tempo não era um inimigo — era um rio.
E havia também os cavalos.
Sim, aqueles — os de sonho.
Correndo soltos em campos que só eu via.
Eu os chamava com o pensamento.
E eles vinham.
A infância, para mim, sempre teve cascos e liberdade.
Eu era uma menina silenciosa, mas nunca muda.
Falava com as árvores, com os cadernos, com os sorrisos que duravam mais de três segundos.
E acreditava que tudo tinha alma: a boneca, o botão caído, o lápis de cor mais usado.
Talvez por isso eu nunca tenha deixado de conversar com as coisas.
Hoje, entendo que minha sensibilidade — essa que às vezes me parece um excesso — nasceu ali.
Na infância.
Naquele tempo em que eu ainda achava que amor era eterno e que bastava apertar os olhos para ver o impossível.
E quando cuido de alguém, ou escrevo, ou simplesmente paro para ouvir o que não foi dito, é essa menina que atua em mim.
Ela ainda quer compreender o mundo.
Ela ainda se emociona com gestos pequenos.
Ela ainda acredita que o bem pode vencer — mas não com espada, com abraço.
A infância é nossa primeira espiritualidade.
É quando confiamos sem saber por quê.
É quando amamos sem mapa.
É quando doamos tudo o que temos: um olhar, uma bolacha, uma esperança.
Que nunca se fechem essas janelas.
Que possamos, apesar das dores adultas, deixar um pouco de infância aberta em nós.
Nem que seja num caderno de anotações, num verso sussurrado, num sonho recorrente.
Porque a menina que fui ainda segura minha mão nos dias difíceis.
E sussurra:
vai passar.
Brinca mais um pouco.
Ainda dá tempo de ser leve.
—
Sônia Lupion Ortega Wada
Com os cabelos ao vento da infância que não partiu.