Senhora da Vigília
Ela é a guardiã do limiar. A que chega sem bater, conhece os pensamentos evitados, é espelho e espanto.
Ela vem —
com os pés descalços e as unhas pintadas de silêncio,
insônia.
Conhece o caminho como um gato noturno
que vive entre os vãos do pensamento.
Não bate.
Entra.
Contra ela, já usei o arsenal das almas cansadas:
chá de camomila em xícaras místicas,
meditações guiadas com vozes de algodão,
histórias lidas por monges digitais,
hipnoses com sinos do Himalaia,
mantras antigos,
almofadas de lavanda.
Nada.
Ela sorri, escorada no batente da mente,
cruza as pernas e acende um cigarro feito de lembranças.
Sabe tudo.
Sabe de mim antes de mim.
Ela vive nos pensamentos que escondi de mim mesma
durante o dia.
Fiz acordo, fiz oração, fiz promessa.
Mas ela —
tecelã de sombras —
prefere o escuro em que minha alma respira mais fundo.
Ela me conta segredos
que eu jamais escreveria acordada.
Me obriga a ouvir a sinfonia dos relógios,
a confissão do teto,
o sussurro do coração.
Ela me conhece.
Me chama pelo nome que ninguém usa mais.
Às vezes me embala, sim,
mas no colo do abismo.
Insônia é um nome,
mas também é um espelho.
E há quinze anos
ela me olha de dentro.
E não pisca.
imagem: Google