Rito de Passagem
Em muitas tradições espirituais, raspar a cabeça é um gesto de entrega.
Os monges budistas o fazem ao cruzar a soleira do templo — sinal de renúncia, desapego, de deixar para trás o que é aparência para tocar o que é essência.
As freiras, ao tomarem seus votos, também se despem dos cabelos: símbolo de pureza, de uma nova vida que começa de dentro.
É um ritual.
Uma passagem.
Um recomeço.
Curiosamente, a doença — especialmente o câncer — também empurra muitas mulheres para esse mesmo limiar.
Não é um convite gentil. É um rompimento.
Não há canto sagrado nem cerimônia.
Mas ainda assim, há rito.
E há alma.
Assistir aos cabelos caindo é como ver, em silêncio, pedaços de quem se foi se desprendendo.
No início, cada fio que vai embora parece uma pequena morte.
Mas com o tempo, é possível compreender: é também um nascimento.
Algumas choram. Outras se antecipam, raspam logo, tomam nas mãos aquilo que parecia controle perdido.
Há quem leve a máquina à cabeça como quem acende um incenso para o invisível.
Um gesto de coragem —
e de fé.
Dizem que quando tudo o que é superficial se vai, o essencial aparece.
E ali, entre a ausência de cabelo e a presença de si, muitas mulheres se veem inteiras pela primeira vez.
É estranho — mas profundamente verdadeiro — perceber que a doença também purifica.
Remove o excesso, a ilusão, o apego.
E no vazio que fica, algo maior começa a respirar.
O rito não está no ato em si.
Está na transformação que ele provoca.
Está na travessia.
E há uma beleza sutil nisso: em japonês, rito soa como hito.
Hito significa “pessoa”.
Talvez todo rito verdadeiro seja isso: um processo que devolve a mulher a si mesma.
A que sai do outro lado não é a mesma.
É mais nua.
Mais limpa.
Mais presente.
Ela perdeu o que achava ser seu — e descobriu o que nunca poderá ser tirado.
Não é bonito no início.
Não é fácil nem poético.
Mas é sagrado.
E para muitas, é exatamente ali —
no chão do medo, no altar da entrega —
que tudo recomeça.