“Não Riam do que Não Compreendem”
Ontem, precisei ir à Prefeitura da cidade onde moro, aqui no Japão. Saí com um lenço bonito — não como enfeite, mas como uma armadura leve. Sem cabelo, por causa da quimioterapia, escolhi cobrir a cabeça com algo que me desse um pouco de cor, de beleza, de identidade.
Aqui, as mulheres costumam usar toucas discretas, em cores neutras — cinza, bege, preto. Lenços coloridos são raros, geralmente usados por mulheres muçulmanas ou de Bangladesh. Eu sabia que chamaria atenção. Sabia — e fui mesmo assim.
Na Prefeitura, percebi os olhares. E, infelizmente, também percebi os risos — duas pessoas acharam graça da minha presença. Não sabiam da batalha invisível que o lenço escondia. Riram daquilo que não compreendiam.
Talvez o preconceito seja exatamente isso: rir do que se ignora, rejeitar o que foge da norma, tratar o diferente como ameaça.
A verdade é que o preconceito aqui no Japão está entranhado — nas ruas, nas entrelinhas, nas portas com avisos que dizem, sem pudor, que estrangeiros não são bem-vindos.
Está no vizinho que mora ao lado há dezoito anos e nunca me disse um “bom dia”.
No pão de queijo que levei até ele, com gentileza, e que ele rejeitou com raiva — bateu a mão no prato, e o pão de queijo foi ao chão.
Está nas lojas de roupas, que ao perceberem a presença do estrangeiro, colocam uma música brasileira para tocar. É o código de alerta, é o jeito velado de dizer: “fiquem de olho”.
Está nesses gestos pequenos que revelam mundos inteiros de rejeição.
Nós, dekasseguis, imigrantes, trabalhadores, pessoas… estamos lutando para que isso mude.
Queremos leis, sim. Mas também queremos respeito. Queremos que um lenço seja visto como o que ele é: escolha, coragem, cultura, cuidado. E não motivo de riso.
Cada passo que dou, mesmo sob olhar torto, é uma afirmação de que sigo viva — e inteira.
O Japão precisa de leis contra o racismo e a discriminação, sim. Mas antes disso, precisa de olhos que saibam ver com respeito e humanidade.
Enquanto isso, sigo com meu lenço colorido e meu silêncio firme — mais eloquente do que qualquer insulto.