Entre Dois Mundos: Preceitos 

da Família Wada

 

Capítulo da História da Família Wada –

por Sônia Lupion Ortega Wada

Literatura memorialística /

Biografia familiar com valor histórico-cultural
 

 

Poemas Considerados Preceitos da Família Wada 

 

Poema do Kikusui— Água sob o Crisântemo

 

Japonês (kanji e kana):

良しや世は

底知れずまで

濁るとも

千代に清かれ

菊の下水

 

Romaji:

Yoshi ya yo wa

Sokoshirezumade

Nigorutomo

Chiyo ni kiyokare

Kiku no shitamizu

 

 

Água sob o Crisântemo

 

Por mais que se turve o nosso mundo,

Seja eternamente límpida

a água sob o crisântemo.

Shuichiro Wada — Nanshu

 

Poema da Canforeira Transplantada

 

Japonês (kanji e kana):

移しても

香り変わらじ

楠は

永に栄えん

常夏の国

 

Romaji:

Utsushitemo

Kaori kawaraji

Kusunoki wa

Towa ni sakaen

Tokonatsu no kuni

 

Poema da Canforeira Transplantada

Ainda que transplantada a canforeira,

Mantenha seu aroma inalterado

em perene prosperidade

na terra do verão eterno.

 

Shuichiro Wada — Nanshū

 

 

 

A história da Família Wada é, ao mesmo tempo, travessia e permanência. Uma linha de continuidade que atravessa oceanos, tempos e silêncios.

Foi com os pés firmes na terra e o espírito voltado à dignidade que Shuichiro Wada, avô  do meu esposo e tataravô das minhas netas, deixou o Japão em 1923, com apenas 23 anos, para iniciar sua trajetória no Brasil.

 

Ele chegou como imigrante, mas jamais foi pequeno. Trabalhador incansável nas lavouras de café, soube crescer sem trair os princípios que herdara de uma linhagem ancestral. Descendente da tradicional Família Wada, ligada ao ilustre clã Kusunoki, Shuichiro carregava consigo uma história de honra e sabedoria. A família era, desde os tempos remotos, formada por “cavalheiros camponeses” — homens de origem rural com formação moral refinada, fortemente influenciada pelo confucionismo.

 

Kusunoki Masashige, ancestral venerado dessa linhagem, foi samurai e estrategista, defensor do Imperador Go-Daigo e símbolo eterno de lealdade e nobreza. Seu ideal vive até hoje no poema que diz:

 

“Mesmo que as águas sob o crisântemo turvem-se até a raiz,

que mil gerações a mantenham pura.”

(Yoshi ya yowa sokoshirezumade nigorutomo, chiyo ni kiyokare — Kiku ni Shitamizu)

 

Esse preceito está gravado no jardim da antiga mansão da família Wada, e orientou a vida de Shuichiro em solo brasileiro. 

 

Preceitos da Família Wada — Herdeiros do Clã Kusunoki

 

O legado silencioso que molda o espírito

 

A linhagem da Família Wada remonta à nobreza ancestral do Japão. São descendentes do antigo Clã Kusunoki, guardiões de valores milenares. Não são apenas vínculos de sangue, mas uma linhagem de honra, discrição, sabedoria e firmeza.

Ayae, irmã de  Kusunoki Masashige, fora casada com Masato Wada. Sendo essa ligação entre Kusunoki Masashige e Wada.

 

Kusunoki Masashige — O samurai imortal da lealdade

 

Kusunoki Masashige (c. 1294–1336) foi um samurai lendário do final do período Kamakura, reverenciado por sua lealdade inabalável ao imperador Go-Daigo. Tornou-se símbolo do ideal do bushidō, o código de honra dos guerreiros. Atuou com genialidade estratégica durante os cercos de Akasaka e Chihaya, resistindo a exércitos muito superiores.

 

Em 1336, obedecendo às ordens do imperador mesmo contra seu julgamento, lutou em Minatogawa até o fim e cometeu seppuku em sinal de fidelidade. Seu nome atravessou os séculos como sinônimo de altruísmo. Em 1880, foi agraciado postumamente com o título de Senior First Rank, o mais elevado entre os méritos imperiais. Uma estátua sua montado a cavalo permanece em frente ao Palácio Imperial de Tóquio.

 

A famosa frase de seu irmão na véspera da morte — “Shichishō Hōkoku!” (“Quem me dera ter sete vidas para servir ao país!”) — ainda ecoa como símbolo da mais pura dedicação.
 

 

O símbolo vivo: Kikusui (Água sob o Crisântemo)

 

 

O brasão da Família Wada é o Kikusui — um crisântemo sobre as águas. O crisântemo, flor imperial, representa longevidade, sabedoria e pureza; a água, flexibilidade, persistência e fluxo. Juntos, representam o equilíbrio entre força e suavidade. Um símbolo da alma nobre que se move com leveza, mesmo sob as maiores pressões da vida.

 

Preceitos da Família Wada

 1. Viver com honra, mesmo no silêncio.

 2. Trabalhar pela prosperidade coletiva.

 3. Cultivar firmeza com gentileza.

 4. Manter-se fiel à verdade interior.

 5. Acolher e proteger os que chegam.

 6. Honrar os ancestrais com a conduta diária.

 

Este legado moldou Shuichiro Wada. Ele não apenas honrou seus antepassados — ele os encarnou em cada gesto de trabalho, acolhimento e construção de pontes entre culturas. Como o crisântemo que flutua, ele não se rendeu às correntezas: floresceu sobre elas. E hoje, sua memória é água sob crisântemo — viva, leve e imortal.

 

 O Cavalheiro Camponês

 

Foi chamado de “Denshin”(que na tradução  para inglês é Gentleman), um termo que designa os camponeses que carregam espírito de nobreza e conduta exemplar. Era trabalhador, estrategista, ético e visionário. Mesmo tendo se tornado empresário de sucesso e líder comunitário, conservava a humildade e o senso de dever.

 

Participou da criação de entidades nipo-brasileiras, fundou colônias agrícolas, presidiu associações como a Nara Kenjinkai, e recebeu comendas dos governos brasileiro e japonês, entre elas:

 • A Ordem do Sol Nascente, com Raios de Ouro com Roseta (1978)

 • A Ordem do Tesouro Sagrado, com Raios de Ouro e Prata (1971)

 • A Comenda do Mérito do Trabalho, pelo governo brasileiro (1982)

 

Shuichiro Wada foi perseguido após a Segunda Guerra mundial (1945). Onde em São Paulo, nascia uma organização secreta japonesa, a Shindo Renmei —ou Liga do Caminho dos Súditos. Para seus seguidores, foi difícil acreditar na notícia da rendição,  considerando uma fraude, um golpe da propaganda aliada aceitar a derrota. Japão em  2600 anos foi invencível, amparado pela espada dos Samurais e seus exércitos , foi derrotado pela bomba Atômica. 
A espada dos Samurais se renderam diante do inimigo cruel e poderoso- preservando seu país e seu povo. Derrotados com honra, características desse “Povo” valente.
 

 

Apesar de tantas honrarias(tão poucas aqui citadas por mim) e,  nunca acumulou fortunas pessoais. Era dono apenas de uma mansão em Atibaia e uma fazenda em Umuarama. E dizia:

 

“Quem deve movimentar o dinheiro é o homem.

Jamais o homem deve ser movimentado pelo dinheiro.”

 

Na velhice, afastou-se dos negócios e assumiu um papel de conselheiro. Acreditava que o importante era saber quando parar, antes que o orgulho ou o apego tomassem conta.

 

 

🇧🇷🇯🇵 Transferência de Sangue — O Brasil e o Japão

 

Aos 83 anos, Shuichiro Wada se naturalizou brasileiro. Questionado sobre o porquê de só então adotar a nova nacionalidade, respondeu com um gesto simbólico. Mostrou um poema de sua autoria, assinado com o pseudônimo Nanshū, e declarou:

 

“Transferi o sangue japonês, o sangue tradicional da Família Wada, para o Brasil.”

 

Essa afirmação não era apenas uma metáfora. Era um selo. Um legado. Um rito de passagem entre mundos.

 

O Retorno: Reunindo as Águas

 

Em 1998, 75 anos após a partida de Shuichiro rumo ao Brasil, a história deu uma volta completa.

Eu, Sônia, e meu esposo Wada, neto direto de Shuichiro, retornamos ao Japão com nossos filhos. Aqui reconstruímos nossa vida. Aqui nos reconectamos às raízes. E, com essa travessia inversa, trouxemos o sangue Wada de volta ao seu lugar de origem, agora misturado com o sangue da Família Kawaguchi.

 

Dessa união nasceram minhas netas — meninas que carregam, nos nomes e no espírito, toda essa herança. Hoje todas assinam com orgulho: Lupion Ortega Wada. Elas são continuidade e renovação. Têm em si o espírito guerreiro dos Wada, a sabedoria dos Kusunoki e a força intuitiva das mulheres da minha linhagem — as Lupionas.

Mas essa… já é uma nova história, que ainda está sendo escrita.

 

KUSUNOKI  — significa Canforeira. E/ou Árvore de Cânfora.

 

 

Texto inspirado no Livro - Água Sob Crisântemo 

Kiku no Shitamuzu.

Biografia de SHUICHIRO WADA

 

 

Fotos: árvore Canforeira - google

Brasão Kikusui , acervo da família Wada

 

By Flor de Cerejeira 🌸