Sônia Lupion Ortega Wada
“Coragem é agir com o coração.”
Capa Meu Diário Textos Áudios E-books Fotos Perfil Contato

 

Kanreki Iwai — Quando a Vida Faz Aniversário de Si Mesma

 

 

Em uma cultura onde tudo tem tempo, forma e espírito, o Japão celebra os 60 anos de uma vida com mais do que um bolo e velas: celebra-se um renascimento.

 

Esse rito se chama Kanreki (還暦), que literalmente significa “retorno ao calendário”.

Baseado no antigo ciclo do zodíaco sino-japonês, que combina os 12 signos animais com os cinco elementos (madeira, fogo, terra, metal e água), o Kanreki marca a volta completa desse ciclo sexagenário. É como se, ao completar 60 anos, a pessoa retornasse ao ponto exato do céu sob o qual nasceu.

 

É a vida fazendo aniversário de si mesma.

 

A Cor Vermelha do Recomeço

 

Na cerimônia tradicional, o aniversariante veste uma roupa simbólica:

um colete vermelho chamado chanchanko, uma touca (akabōshi) e uma almofada de mesma cor.

O vermelho, no Japão, é cor de proteção e vitalidade — era usado para afastar maus espíritos nos tempos antigos.

Mas aqui, ele assume um sentido mais profundo:

é o vermelho da infância, o vermelho do início, o vermelho da energia que retorna.

 

 

 

Por isso, o Kanreki é visto como uma segunda infância espiritual.

A idade onde a pessoa não precisa mais provar nada ao mundo — e pode, enfim, voltar a ser.

Mais leve. Mais essencial.

 

 

Entre Santuários e Risos

 

A celebração varia conforme a região e a família, mas há elementos comuns e belíssimos:

 

  • Visitas a templos ou santuários xintoístas, para agradecer pelos 60 anos vividos e pedir proteção para os que virão;
  • Banquetes com pratos auspiciosos, como o arroz com feijão vermelho (sekihan), o peixe tai (símbolo de boa sorte), e doces decorados com imagens de garças e tartarugas — símbolos japoneses da longevidade;
  • Entrega simbólica de responsabilidades aos filhos, como sinal de passagem geracional;
  • Palavras de gratidão e reconhecimento por parte da família — especialmente dos mais jovens.

Não há ostentação.

Há reverência.

 

 

Kanreki não é um fim — é um círculo

 

 

Ao contrário do que muitas culturas associam aos 60 anos — decadência, velhice, fim — o Japão compreende essa idade como início de um novo ciclo de vida, mais maduro, mais livre.

É um tempo de retorno ao que é essencial.

De reconciliação com a própria trajetória.

De colheita interior.

 

Por isso, o Kanreki também marca o ingresso nas chamadas idades de longevidade (toshi iwai):

 

  • Kōki (70 anos)
  • Kiju (77)
  • Sanju (80)
  • Beiju (88, a “idade do arroz”)
  • Sotsuju (90)
  • Hakuju (99)
    Cada uma celebrada com seus rituais, cores e significados — como se cada década fosse uma estação própria da alma.

 

 

Quando o ciclo me encontrou

 

 

Vivo no Japão há muitos anos. Este país me ensinou a ver os detalhes — e a confiar no tempo das coisas.

No ano passado, completei 60 anos.

 

Coincidência ou não, foi também nesse tempo que recebi um diagnóstico difícil: o câncer.

Mas algo em mim compreendeu que o Kanreki não é apenas um rito — é uma chave.

 

Naquele momento, o que poderia parecer um abismo revelou-se um portal.

Compreendi que não era o fim de um ciclo, mas o despertar para uma nova etapa da alma.

Mais íntima de mim. Mais serena.

O câncer não chegou como inimigo, mas como um sinal silencioso de que algo precisava renascer.

 

Hoje, com 61 anos, caminho com essa energia renovada:

a energia do retorno à essência, da escuta profunda, da gratidão por tudo o que fui — e por tudo o que ainda posso ser.

 

O Kanreki, entendi, não é sobre a idade.

É sobre o tempo certo de voltar a nascer — por dentro.

Sonia Lupion Ortega Wada
Enviado por Sonia Lupion Ortega Wada em 16/06/2025
Comentários