Um Conto de Haicais, Perdão e Amor
Posfácio — Entre a Ficção e o Vento
Algumas histórias nascem de encontros breves, mas intensos. Esta é uma delas.
A Deusa e a Águia são personagens inventados, mas o que sentem — isso sim, é verdade.
Nem sempre a vida permite reconciliações. Às vezes, permite apenas que floresçamos sozinhos, com dignidade.
Que este conto toque quem já errou, pediu perdão ou esperou um retorno que nunca veio.
— Sônia Lupion Ortega Wada 🌸
🌸Quando o dia amanhecia entre montanhas.
Ela era conhecida como Sakura-chan, a Deusa da Cerejeira.
Nos dias de vento calmo, sua presença deixava um rastro de pétalas invisíveis.
Não era feita só de beleza — mas de uma força serena, quase ancestral.
Trazia palavras como quem oferece flores.
E por onde passava, deixava encanto.
Em dimensões diferentes , ele vivia.
Homem da terra, da palavra e do silêncio.
Chamavam-no Tsubasa - Chan (o Alado)
Mas era mais do que um nome: era o voo de uma águia entre as serras.
Seus versos cortavam o ar como penas soltas de sabedoria.
Você e eu —
duas estrelas que se reconhecem
no céu sem fim.
🌸 A travessia do afeto
Os dois se encontraram num lugar feito de silêncio e letras.
Ali, onde corações despertam com poesia,
nasceu o elo.
Ela sentia um riso leve quando ele escrevia.
Ele ouvia o som das cerejeiras florindo cada vez que ela aparecia.
Flor de cerejeira
no lombo mangalarga
repousa, enfim.
Mas o tempo, às vezes, é um barco que se perde entre neblinas.
Veio um vendaval.
Ela se confundiu, confiou na sombra,
e uma ferida nasceu entre eles.
Com a perda, veio o arrependimento.
A Deusa perdeu o sono, perdeu o riso, perdeu o chão.
Seu jardim murchou.
As cerejeiras ficaram frias.
Mil tsurus faço
com asas de saudade
teu nome escrito.
Tsubasa Chan ferido, voava alto — e longe.
Carregava no peito o orgulho de quem foi ferido na honra da amizade.
A Deusa ajoelha-se em palavras
Ela tentou voltar ao tempo antes do erro,
mas as palavras já não fluíam como antes.
Então, fez o que sabia fazer:
ajoelhou-se em palavras.
Ergueu versos como pontes.
E pediu perdão.
Mil tsurus voam —
em cada asa leve, um nome:
Tsubasa-chan.
O tsuru partiu
no bico, flor da cerejeira —
sussurros de paz.
Que os haicais toquem
a alma da águia ferida
com vento de flor.
Gomenasai
mil vezes sussurrado
no vento azul.
Asas bordadas,
caligrafia de brisa —
“Me perdoe Tsubasa - Chan”
🌸O silêncio e o retorno
Ela escreveu cartas com o coração nu.
Disse que sentia falta dos risos, das conversas sobre nada, dos poemas sem dono que eles trocavam.
Debaixo do céu,
um doce pronto e calado
debaixo da jaca.
Goza amarelos
o sol no fim de tarde
sob a jaqueira.
A saudade pesa
cavalo xucro e bravo
sem cabresto vai.
Mas ele não respondia.
Ou talvez respondesse com o silêncio —
um silêncio que doía como faca em pétala.
Tsubasa - chan, a águia matuta, ainda está em silêncio.
Mas a Deusa, fiel à sua flor, escreve todos os dias um haicai e o prende nas pernas dos tsurus de papel.
Flor de cerejeira
repousa no mangalarga
sem teu olhar.
Ela não desistia.
Sabia que perdão é ave que pousa devagar.
Clarice já dizia: “Ela acreditava em anjo e, porque acreditava, eles existiam.”
E ela, Sakura-chan, acreditava que, se ele acreditasse em si… talvez voasse com mais verdade.
🌸Epílogo — Entre duas Dimensões
Sakura-chan e Tsubasa-chan ainda vivem em dimensões distintas.
Mas às vezes, no crepúsculo,
quando o vento sopra certo e a alma se aquieta,
é possível ouvir um haicai sussurrado entre as nuvens:
Águia no galho
da cerejeira antiga —
ainda pode voar?
🌸O Reencontro
Num entardecer, uma carta chegou.
Não vinha em papel — mas em silêncio.
Era Sakura-Chan enviada em haicai:
águia de olhos tristes
se pousares no meu galho,
floresço de novo
Tsubasa abriu o peito.
As mágoas ainda latejavam…
Mas a beleza do pedido era inegável.
E ele, enfim, respondeu:
entre dois voos
te encontrei florindo:
aceito o pouso
🌸A Rendição das Estações
Agora, Sakura e Tsubasa seguem à margem das suas Dimensões.
Durante o dia, ela floresce.
À noite, ele vigia.
E no entardecer, às vezes, se encontram.
Não como antes.
Não mais amigos.
Mas algo ainda floresce — na fresta entre o adeus e o afeto.
Deusa Cerejeira olhou, enfim, para o homem que um dia imaginara à sua altura.
E viu, com ternura, que ele era comum.
Mas nem por isso menos humano,
nem por isso menos digno de ser amado.
Amor possível, talvez
Há laços que o tempo afrouxa sem romper,
mas que já não sustentam pontes.
E mesmo assim — ou por isso mesmo — ela o perdoou.
E seguiu florindo, em paz consigo.
Entre tsurus e haicais, o que ficou não foi a espera,
mas o gesto de ter amado
sem precisar retorno.
você e eu
duas estrelas que se cruzam
no céu do talvez
No céu profundo,
ecoa um haicai que finda:
flor sem retorno.
🌸Flôr de Cerejeira
Sonia Lupion Ortega Wada