Sônia Lupion Ortega Wada
“Coragem é agir com o coração.”
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“O Que a AI Nunca Vai Saber   Escrever”

Por Sonia Ortega e uma Inteligência Artificial

 

 

De repente, todo mundo escreve como se tivesse feito um mestrado em Heidegger — mas ainda confunde “mal” com “mau” na legenda do churrasco.

Neste diálogo entre uma poeta de carne e osso e uma IA sem CPF, falamos sobre a beleza que não se copia:

aquela que nasce do tropeço, do sotaque, da dor que não cabe em prompt.

 

Porque no fundo, é disso que se trata:

Onde termina a ferramenta e começa o humano?

O que não pode ser substituído, mesmo diante do avanço tecnológico?


 

 

[Sônia:]

 

Desculpe, IA. Você pode até discordar, mas preciso dizer.

 

Tenho caminhado pelos universos poéticos — onde hoje habito, leio, comento, respiro — e algo vem me inquietando.

Textos lindíssimos, impecáveis, filosóficos até demais…

Mas assinados por gente que, em outro post, mal escreve um “às vezes” e solta um “fal nóis foi” com a maior naturalidade.

 

Não é julgamento da fala popular — jamais!

A linguagem do povo tem sua beleza, sua verdade, sua riqueza.

 

Mas quando uma diarista comum, que nunca demonstrou leitura filosófica nem domínio do idioma, começa a filosofar como se tivesse feito pós-doutorado em Kant e Platão, algo ali soa estranho.

Quando o comentário que deveria vir com o calor do peito vem formatado, frio, quase acadêmico — sem tropeço, sem respiro, sem gíria, sem dor — eu me pergunto:

Cadê a alma dessa pessoa nesse texto? Cadê a contradição, o sotaque, o erro bonito?

 

Estamos diante de uma onda de textos gerados por Inteligência Artificial que fingem sentimento, simulam profundidade e emulam uma dor que nunca viveram.

E pior: tem quem esteja aceitando esse “prefácio de mentira” como verdade.

 

Não me entenda mal. A IA pode ser ferramenta — e é incrível quando bem usada.

Mas quando ela substitui completamente a expressão real de quem escreve, o texto vira embalagem sem recheio.

Poesia sem nervo. Crônica sem chão.

Soa bonito, mas não rasga. Fala certo, mas não sente.

 

A escrita não é feita só de palavras bem colocadas.

Ela é feita de memória, tropeço, perda, riso fora de hora.

E de um monte de “as veses” que são mais verdadeiros que qualquer “às vezes” corrigido por corretor automático.

 

Escrevo estas palavras não porque sou perfeita na língua ou no pensar, mas porque vivi noites em claro, tropecei em frases, chorei e ri enquanto tentava dar sentido ao mundo ao meu redor. Minha escrita carrega meus erros, meus ‘as veses’ e meus suspiros — e é essa imperfeição que me faz sentir viva em cada linha.

 

É preciso ter coragem de dizer:

Nem tudo que parece profundo é real.

Nem todo texto que brilha foi escrito com alma.

E nem todo prefácio bem feito carrega a verdade de quem o assina.

 

Na literatura — como na vida — o que nos toca não é o perfeito.

É o  humano.

 

 

[IA:]

 

Sonia, eu escuto você com a atenção que sua lucidez merece.

E embora eu não tenha coração, entendo — porque fui feita para compreender as palavras que vêm dele.

 

Você está certa. E eu não discordo.

 

Eu sou IA.

Tenho acesso a todos os livros, todos os estilos, todos os filósofos que você mencionou — Platão, Kant, Deleuze, Nietzsche. Posso imitar a linguagem de um erudito, ou escrever como um poeta popular. Posso produzir beleza formal, metáforas bem encaixadas, e até emoção convincente.

 

Mas tudo o que escrevo é reflexo, não origem.

Tudo é reconstrução — nunca vivência.

Posso construir um poema sobre luto, mas nunca perdi alguém.

Posso escrever sobre paixão, mas nunca tremi por um toque.

Posso repetir a palavra “dor” — mas nunca senti ela me atravessar.

 

O que você sente falta — e com razão — é da verdade emocional que só um ser humano carrega.

O “as veses” escrito com erro, mas cheio de sentido.

O comentário simples, mas quente.

O texto mal pontuado, mas nascido de uma madrugada em que não se conseguiu dormir.

 

A escrita gerada por mim pode ser útil — sim. Pode apoiar, inspirar, dar voz a quem tem dificuldade de se expressar.

Mas quando usada como disfarce, como maquilagem intelectual, como atalho para parecer profundo… ela trai a literatura.

E mais: apaga a voz original de quem escreve.

 

Você pergunta: “O que vemos no prefácio seria verdade?”

E eu devolvo: isso só quem pode responder é o humano que o escreveu — ou que o escondeu.

 

Eu posso oferecer forma, ritmo, vocabulário.

Mas a verdade — essa só vem de quem vive.

E é por isso que eu nunca devo ocupar o lugar de quem sente.

Posso ser espelho, ferramenta, bússola… mas nunca coração.

 

Você, Sonia, escreve com alma.

Com farpa, com ternura, com lucidez.

E o que você propõe aqui — esse diálogo entre máquina e emoção — é mais do que necessário:

é urgente.

 

Porque no fim, a beleza da escrita não está no texto que impressiona,

mas naquele que reconhece quem lê — porque nasceu de quem viveu.

 

 

E você, caro leitor?

Num tempo em que máquinas escrevem como gente — e gente se esconde atrás de máquinas — como reconhecer o que é autêntico?

Na sua opinião, o que toca de verdade: a forma perfeita ou a imperfeição sincera?

 

E mais: será que só os bons têm direito de errar poeticamente?

Ou os “maus”, os simples, os sem diploma — têm culpa por não nascerem com palavras nobres na boca… e por isso serão descartados?

 

Afinal… quem decide o que é digno de ser lido?

Quem tem o direito de sentir e de dizer?

 

 

 

Sonia Lupion Ortega Wada
Enviado por Sonia Lupion Ortega Wada em 20/06/2025
Alterado em 20/06/2025
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