O Cemitério dos Que Desacrescentam
por Sônia Lupion Ortega Wada
Ideia do “Cemitério de Amigos” de Jorge Amado. Um texto lindíssimo que me foi dado a conhecer por uma pessoa querida, a quem muito estimo e de quem, nestas horas mais doloridas, me lembro.
Que tempos bons aqueles em que eu lia textos lindos, e que só muito mais tarde me fizeram sentido.
Quantos jazem no meu cemitério — que, diferentemente de Jorge, eu chamo do canto daqueles que desacrescentam.
Se há um valor que respeito e admiro, é a lealdade: a capacidade humana de ser fiel a um princípio, a alguém, a uma ideia.
É difícil mantermo-nos leais. Os obstáculos e tentações são muitos, e é fácil tropeçar e cair.
Penso que sou leal — e me esforço para sê-lo, porque acredito nesse valor com todas as forças. Já falhei, sim, e sei que ainda posso falhar. Mas nunca por escolha. Nos poucos momentos em que falhei, foi sem perceber, sem intenção de ferir. Só mais tarde entendi que tinha cometido uma falta. E é justamente por conhecer o peso da lealdade — e o quanto dói perder a confiança — que não há espaço em mim para quem a trai conscientemente. Esses, eu enterro.
É um crime, porque alguma coisa cá dentro morre quando alguém me é desleal. Um pouco da minha ingenuidade morre, da minha confiança, da minha espontaneidade.
É um crime contra a minha humanidade. Contra a capacidade (que não quero perder, mas que vou perdendo) de acreditar nos outros, de ter fé.
Não sei estar sem confiar. Preciso confiar em quem me rodeia. Não sei — e não quero saber — viver desconfiada. É uma angústia, uma falta de chão à qual não me quero habituar. Não me habituarei.
Porque gosto da minha humanidade. Porque quero mantê-la. Porque quero apenas dar-me a quem me merece por inteiro, incluindo a minha confiança.
Depois da fase em que me sinto magoada, ferida, com um buraco no peito, faço o funeral. Funeral do Desleal.
É como a recuperação dos alcoólicos que vemos nos filmes: um dia de cada vez.
Dia a dia, vou aprendendo a viver com a falta, até que já não há falta.
O morto ou a morta são enterrados, sem coroa de flores, sem tabuleta.
Deixam de existir. Esquecem-se.
E não há coisa mais triste que ser esquecido.
Não posso imaginar maior tristeza que a de ser morto sem ter morrido.
Reediçao. Poema original publicidade no Recanto das Letras em 2015. —Aos que desacrescentam.