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Trilogia da Luz Interior
Para os meninos e meninas
que não foram amados pelos pais.
Nem pela vida.
Mas que, mesmo assim,
insistem em acender sua própria luz.
I - Quando o olhar adoece
Disse o Mestre: “Os olhos são a candeia do corpo. Se os seus olhos forem bons, todo o seu corpo será cheio de luz.”
Mas quem nos ensina a olhar bem?
Não se nasce sabendo olhar. A gente aprende — ou desaprende — dependendo de quem nos olha primeiro. Um bebê recém-chegado ao mundo procura o rosto da mãe e, nele, busca o reflexo de si mesmo. Se encontra doçura, o mundo lhe parece bom. Mas se encontra rejeição, cansaço, dureza, algo se quebra silenciosamente — e o olhar adoece.
É nesse exato momento que a psicologia se aproxima da espiritualidade. Porque onde o amor deveria acender luz, instala-se uma penumbra. A criança que não é vista com ternura começa a se enxergar com desconfiança. A candeia interna, que deveria iluminar, vira um farol de medo, julgamento ou vergonha.
E assim, sem que ninguém perceba, surge o hábito de se ver pequeno demais, feio demais, incapaz demais.
Quantos adultos, hoje, caminham pela vida com olhos opacos, incapazes de reconhecer sua beleza ou dignidade? Quantos olham o espelho e veem apenas o que falta, o que falhou, o que não presta? Quantos se tornam especialistas em suas próprias cicatrizes, mas cegos para o que ainda pulsa e sonha?
O nome disso, em psicologia, pode variar: distorção cognitiva, autoimagem negativa, esquemas mal-adaptativos. Mas o nome bíblico é mais direto: trevas.
E o pior é que essa cegueira íntima contamina os afetos, os sonhos, os relacionamentos. Quem se vê pouco, aceita pouco. Quem se vê errado, ama errado. E, por fim, passa a enxergar o mundo com a mesma lente que usaram contra ele.
Por isso, há quem diga que o autoconhecimento é o início da cura. Mas não basta se conhecer: é preciso se reinterpretar. Olhar para dentro não como juiz, mas como quem reencontra uma criança esquecida e a segura pela mão, com compaixão. Perguntar a si mesmo: de onde vem essa forma de me ver? Foi herança, foi trauma, foi ausência? E, depois disso, escolher um novo olhar.
Essa escolha não é fácil. Exige tempo, coragem e, às vezes, ajuda profissional. Mas ela é possível. E mais: ela é sagrada.
Porque há um momento na vida em que precisamos decidir com que olhos vamos viver: com os olhos herdados do medo — ou com os olhos restaurados pela graça.
Jesus sabia disso. Por isso falou em olhos bons, não em olhos perfeitos. Bons, aqui, não é sinônimo de inocentes ou puros — é sinônimo de curados. Olhos que aprenderam a ver o mundo e a si mesmos com os olhos do Pai. Olhos que iluminam, porque se libertaram da escuridão que lhes ensinaram.
E então, num dia qualquer, você acorda, se olha no espelho e pela primeira vez, em muito tempo, se vê inteiro. Nem perfeito, nem arruinado — apenas real. E, nesse momento, algo dentro de você se acende. E essa luz silenciosa começa a tocar os outros.
Porque quem aprende a se ver com olhos bons, começa a ver tudo de outro jeito.
E isso, talvez, seja o começo da verdadeira conversão.
Sônia- Flor de Cerejeira 🌸