O Salão das Deusas Perdidas
Elas chegam cabisbaixas, arrastando os pés como quem já perdeu todas as guerras — até as mais íntimas. Carregam nos ombros não apenas os anos, mas os abandonos. Nos olhos, um cansaço que não é só físico: é ancestral. Pele marcada por histórias que ninguém quis ouvir. Dentes escondidos. Cabelos calados. As mãos cruzadas no colo como quem pede desculpa por existir.
Mas há quem veja além.
Alguém — um anjo disfarçado de cabeleireiro, de maquiadora, de artista da esperança — estende a mão e diz:
“Vem cá. Ainda é tempo.”
E então o milagre cotidiano começa.
Primeiro, o cabelo. Aquele que por tanto tempo foi amarrado, alisado, esquecido, disfarçado. Agora brilha como se fosse feito de luar e promessa. A navalha dança no couro cabeludo com a delicadeza de quem conhece cada curva daquela cabeça cansada. O cacho renasce. A trança enraiza. O black se ergue como coroa ancestral. O grisalho ganha luz. A escova conta histórias. O corte curto liberta.
Depois, a maquiagem. Mas não para esconder. É para revelar. A maçã do rosto reaparece como se voltasse de viagem. Os olhos ganham contorno e mistério. Os lábios, enfim, se permitem o vermelho — aquele mesmo que foi proibido por anos, por medo de “chamar atenção demais”.
E então vem o sorriso. Ah, o sorriso.
Dente por dente, reconstruído como se fosse altar. Porque é, mesmo. Ali habitará a deusa que mora naquela mulher.
E quando ela se olha no espelho…
Por um instante, hesita. Não reconhece.
Depois, chora. Reconhece.
Não é só vaidade. É reparação.
É resgate.
Cada transformação é um rito. Cada retoque, um pedido de desculpas do mundo. Cada afago no cabelo, um pedido de perdão pelo racismo, pela pobreza, pela invisibilidade, pelos anos em que disseram a ela que não era bonita, que não era jovem, que já tinha passado do tempo.
Mas não passou.
Ela está viva.
E agora, linda.
Quando sai do salão, ela caminha diferente. O andar é de quem lembra quem é. De quem ouviu de novo o seu nome sagrado. E o mundo, mesmo que não queira, se curva.
Dá-se então o que há de mais mágico:
Uma mulher — antes apagada — volta a existir inteira.
E ninguém pode mais apagá-la.
Dedicatória
A vocês, mãos mágicas.
Que penteiam o passado com ternura, redesenham a beleza com coragem e devolvem às mulheres aquilo que nunca deveria ter sido tirado: o brilho de serem vistas.
Mulheres negras. Mulheres mais velhas. Mulheres esquecidas, cansadas, invisibilizadas — todas.
Gratidão por cada toque que cura. Por cada olhar que reconhece.
Vocês não embelezam apenas — vocês libertam.