Sônia Lupion Ortega Wada
“Coragem é agir com o coração.”
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O Salão das Deusas Perdidas

 

 

Elas chegam cabisbaixas, arrastando os pés como quem já perdeu todas as guerras — até as mais íntimas. Carregam nos ombros não apenas os anos, mas os abandonos. Nos olhos, um cansaço que não é só físico: é ancestral. Pele marcada por histórias que ninguém quis ouvir. Dentes escondidos. Cabelos calados. As mãos cruzadas no colo como quem pede desculpa por existir.

 

Mas há quem veja além.

 

Alguém — um anjo disfarçado de cabeleireiro, de maquiadora, de artista da esperança — estende a mão e diz:

“Vem cá. Ainda é tempo.”

 

E então o milagre cotidiano começa.

 

Primeiro, o cabelo. Aquele que por tanto tempo foi amarrado, alisado, esquecido, disfarçado. Agora brilha como se fosse feito de luar e promessa. A navalha dança no couro cabeludo com a delicadeza de quem conhece cada curva daquela cabeça cansada. O cacho renasce. A trança enraiza. O black se ergue como coroa ancestral. O grisalho ganha luz. A escova conta histórias. O corte curto liberta.

 

Depois, a maquiagem. Mas não para esconder. É para revelar. A maçã do rosto reaparece como se voltasse de viagem. Os olhos ganham contorno e mistério. Os lábios, enfim, se permitem o vermelho — aquele mesmo que foi proibido por anos, por medo de “chamar atenção demais”.

 

E então vem o sorriso. Ah, o sorriso.

Dente por dente, reconstruído como se fosse altar. Porque é, mesmo. Ali habitará a deusa que mora naquela mulher.

 

E quando ela se olha no espelho…

Por um instante, hesita. Não reconhece.

Depois, chora. Reconhece.

 

Não é só vaidade. É reparação.

É resgate.

 

Cada transformação é um rito. Cada retoque, um pedido de desculpas do mundo. Cada afago no cabelo, um pedido de perdão pelo racismo, pela pobreza, pela invisibilidade, pelos anos em que disseram a ela que não era bonita, que não era jovem, que já tinha passado do tempo.

 

Mas não passou.

Ela está viva.

E agora, linda.

 

Quando sai do salão, ela caminha diferente. O andar é de quem lembra quem é. De quem ouviu de novo o seu nome sagrado. E o mundo, mesmo que não queira, se curva.

 

Dá-se então o que há de mais mágico:

Uma mulher — antes apagada — volta a existir inteira.

E ninguém pode mais apagá-la.

 

 

 

Dedicatória

A vocês, mãos mágicas.

Que penteiam o passado com ternura, redesenham a beleza com coragem e devolvem às mulheres aquilo que nunca deveria ter sido tirado: o brilho de serem vistas.

 

Mulheres negras. Mulheres mais velhas. Mulheres esquecidas, cansadas, invisibilizadas — todas.

 

Gratidão por cada toque que cura. Por cada olhar que reconhece.

Vocês não embelezam apenas — vocês libertam.

Sonia Lupion Ortega Wada
Enviado por Sonia Lupion Ortega Wada em 29/06/2025
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