Entre guitarras e violões — minha homenagem ao Rock, à MPB, à música clássica, ao Japão e à herança que deixo em som
Há quem diga que somos feitos de carne e osso — eu discordo.
Sou feita de vinil e poesia, de guitarra e violão, de riffs incendiários e de arcos que choram na beira da noite.
Meu corpo é tatuado por Beatles, Doors, Who, Police, Cure, The Strokes(Julian Casablancas)
Minha pele vibra quando Chicago toca If You Leave Me Now.
Minha alma se dissipa num sussurro de Mazzy Star.
Minha juventude pulsa em Oasis, Dire Straits, Radiohead — sou ponte entre Londres chuvosa, San Francisco ensolarada e qualquer lugar onde meu coração bata forte.
E quando o vento sopra do norte gelado, é Morten Harket quem me embala — voz de cristal, bruma norueguesa.
(Julian Casablancas)
Mas quando a noite cai, meu peito se lembra do Brasil.
Abro a janela e é Milton quem vem — estrela guia.
É o Clube da Esquina que me acolhe como se cada esquina fosse um abraço.
Flávio Venturini, Beto Guedes, Lô Borges, Fernando Brant, Wagner Tiso — tantos mineiros costurando o céu de notas claras.
Sivuca faz meu sertão inventar mares com sua sanfona doce.
Moraes Moreira me faz querer trio elétrico, frevo, guitarra baiana.
Zé Ramalho é meu xamã — recita profecias de pedra e sol.
Belchior me dá seu bigode e sua voz rouca, me faz crer que tudo ainda é igual.
Tim Maia — ah, Tim! — me faz dançar na sala, rei do soul em terras tropicais.
Elis Regina e Simone costuram minhas feridas com vozes de tempestade.
Gilberto Gil, Toquinho, Vinicius, Tom, João Gilberto — cada um planta em mim uma bossa, uma brisa, uma saudade que não morre.
E lá no fundo, Ednardo, Zé Geraldo, Tavito — trovadores das estradas — me lembram que o Brasil também é poeira, é roça, é viagem sem volta.
E se um dia meu peito se afoga em saudade, é o jazz quem me resgata — sopro quente de saxofone, piano que chora como chuva na calçada.
Billie Holiday, Ella Fitzgerald, Nina Simone — vozes negras da Georgia, Carolina, Alabama — cada nota embala minha dor, faz doer bonito.
No blues, sou estrada poeirenta do Mississippi, sou guitarra que geme em B.B. King, sou lamento que vira esperança na voz de Etta James.
É o sax que rasga a noite, é o contrabaixo que pulsa lento, é o improviso que me lembra: a vida também desafina, mas ainda assim encanta.
Mas o mundo é vasto e minha música fala japonês também.
Com Spitz, descubro a poesia simples que cabe em três acordes.
Com The Pillows, lembro que o indie pode ser leve como um sonho flutuando num anime.
Com Ayaka Hirahara, deixo a voz me levar ao topo do Monte Fuji — onde cada nota é uma oração sussurrada ao vento.
E, mais bonito ainda: é no quarto ensolarado do meu filho que o som renasce.
Zukai e Lambda — meu filho e seus amigos, tocando, compondo, rasgando o silêncio — são prova de que meu amor pela música virou legado, que agora vibra em cordas novas, em sonhos que não param.
Quando uma banda sobe no palco com uma orquestra, eu acredito que anjos vestem couro preto.
É sinfonia que explode, guitarra que encontra violinos, rock que se curva ao maestro — e tudo se torna sagrado.
E se existe um norte na minha bússola, é George Harrison.
Meu Beatle predileto — silêncio e oração, jardim e guitarra, mantra e flor.
George me ensinou que a música é ponte entre céu e chão, que cada acorde pode ser reza, que cada nota cura uma ferida.
Com ele aprendi que o amor verdadeiro não grita, ele floresce no olhar manso de quem entende que tudo passa — mas a música fica.
Eu sou rock porque preciso gritar.
Sou MPB porque preciso lembrar que o afeto também é revolução.
Sou música clássica porque preciso sentir as cordas vibrarem até meus ossos.
Sou Japão porque carrego poesia, anime, j-pop no bolso do peito.
Sou mãe de artista porque sei que a música não morre — ela se multiplica.
E quem quiser saber quem sou, vai ter que me ouvir inteira:
Em inglês, português, japonês, baiano, mineiro, barroco, indie, psicodélico, regional.
Sou guitarra, mas também sou violão, violino, violoncelo.
Sou o vinil riscado, o CD arranhado, o MP3 que insiste em rodar no coração.
Sou Morrison, sou Hope Sandoval, sou Morten, sou Milton, sou Sivuca, sou Spitz, sou Ayaka, sou Belchior — sou George — sou Zukai & Lambda — tudo junto, tudo misturado, tudo eu.
Porque se o mundo é duro, a música é minha casa.
E nela eu vivo, danço, sangro, sorrio — até a última faixa acabar.
Essa sou eu, meu altar é feito de música, poesias, livros e flores.