Vagalumes na Varanda
Ontem passei a tarde assistindo Cinema Paradiso.
Confesso: fazia tempo que um filme não me encantava tanto.
Já o havia visto várias vezes, desde o seu lançamento.
Mas ontem… assisti com olhos outros.
Com um coração mais atento.
Senti amor pela vida.
Pela arte.
Pela coragem de perseguir um sonho.
E, acima de tudo, pela beleza rara de uma amizade verdadeira.
Era uma vez um menino que se apaixonou por dois amores impossíveis: o cinema… e o tempo.
O cinema lhe projetava beijos cortados pela censura, heróis que jamais perderiam o bigode — nem a honra.
O tempo, esse bandido elegante, projetava saudade nos olhos, rugas nos sorrisos e silêncios nas cartas nunca enviadas.
O nome do menino? Totó.
Mas poderia ser João, Chico, Mário — ou até Dona Neide, que vendia pipoca na praça e sabia mais sobre a vida do que o padre da vila.
Porque Cinema Paradiso não é só sobre cinema.
É sobre o que a gente filma por dentro —
e, com sorte, reaprende a assistir quando a vida aperta o play da lembrança.
Totó cresceu, como todo mundo cresce: meio sem querer.
O projetor virou relíquia.
Alfredo, o velho que lhe ensinou tudo sem usar palavras difíceis, virou saudade.
E os beijos censurados… viraram um rolo só.
Literalmente.
Eu mesma me pergunto:
Quantos beijos cortados não deixei na sala de edição da minha juventude?
Quantas cenas silenciei, achando que eram irrelevantes —
quando, na verdade, dariam um Oscar de melhor curta-metragem à minha história de amor?
A vida, minha cara, é mesmo uma sequência de filmes que a gente revê
com os olhos molhados e o coração empoeirado.
Alguns são comédia pastelão.
Outros, drama italiano com trilha sonora de Ennio Morricone
e lágrimas estrategicamente posicionadas.
E sabe o que mais me comove em Cinema Paradiso?
É que a tela era pequena, mas os sentimentos, imensos.
A vila era modesta, mas cada alma carregava um épico.
E o Totó… ah, o Totó era um pouco de todos nós:
os que tentam voltar, mesmo sabendo que não dá.
Hoje, quando vejo uma sala de cinema vazia,
ou uma criança encantada com a luz que dança na parede,
penso que ainda há esperança.
Que talvez algum novo Totó esteja se apaixonando —
não por um filme qualquer,
mas por essa mágica estranha que chamamos de memória.
E quando a memória dói…
bem, a gente passa o filme ao contrário.
E volta a sorrir.
Fim?
Não.
Fade in: próxima lembrança.
by Sônia