Sônia Lupion Ortega Wada
“Coragem é agir com o coração.”
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O Mingau de Dona Mercês

 

 

Não era só mingau.

Era um jeito de voltar pra casa sem sair do quintal.

 

Dona Mercês mexia a panela como quem remenda o tempo: com paciência, fé e uma colher de pau. O mingau espessava no fogão a lenha, com cheiro de canela e saudade recente — dessas que a gente sente antes mesmo de perder.

 

Ela dizia que o segredo era o ponto. Nem ralo, nem grosso demais. “Tem que ter corpo de abraço”, ela falava, soprando a fumacinha que subia como reza de criança.

 

Nós, filhos e filhas, netos e netas esperávamos sentados no batente, joelho ralado, dente mole, os olhos grudados na fumaça e no movimento circular da colher. Era um feitiço, mas daqueles bons. A colher girava e, com ela, girava também a vida — redonda, quente, doce e com um quê de eternidade.

 

Às vezes ela cantava baixinho.

E parecia que a panela ouvia.

 

Quando o mingau ficava pronto, ela servia em tigelas esmaltadas — uma diferente da outra. A minha era azul, lascada na borda. Mas era nela que o mundo cabia.

 

Na primeira colherada, o céu descia pra boca da gente.

Na segunda, o tempo parava.

 

Na terceira, éramos só infância — sem pressa, sem peso, sem perguntas.

E dona Mercês sorria com seus olhos de forno aceso.

 

Hoje, já grande e cheia de dias, às vezes sinto falta daquele mingau. Tento imitar.

Mas o gosto não vem.

 

Talvez porque o ingrediente principal — o tempo de antes — não se vende em mercado.

 

E talvez, só talvez, porque só dona Mercês sabia cozinhar com a alma inteira.

 

Dona Mercês, viveu 101 anos.

Exemplo de força e resiliência.

A saudade é imensa ✨

 

 

 

 

Nota da Autora

 

Esta crônica nasceu de conversas cheias de ternura com minha querida amiga Lúcia Rodrigues. Dona Mercês, sua mãe, viveu 101 anos — e deixou marcas doces, como o mingau que preparava com tanto afeto.

 

Escrevi este texto como se fosse a própria Lúcia criança, embalada pelas lembranças que ela me contou. Foi um jeito literário de homenagear essa mulher admirável, costurando memórias com palavras.

 

Com todo o respeito e carinho à família, ofereço este texto como um abraço — daqueles que aquecem por dentro, como o mingau de Dona Mercês.

 

Sonia Lupion Ortega Wada ✨

Sonia Lupion Ortega Wada
Enviado por Sonia Lupion Ortega Wada em 31/07/2025
Alterado em 02/08/2025
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