Nota da autora
Este texto foi originalmente escrito em 2008, quando a pressão social sobre o corpo feminino já demonstrava sua força avassaladora. Desde então, o debate sobre beleza, autoestima e inclusão corporal evoluiu, incorporando novos desafios e conquistas, especialmente com o avanço das redes sociais, da cultura digital e dos movimentos de valorização da diversidade.
Para dialogar com a atualidade, mantenho o conteúdo original intacto e acrescento reflexões recentes, que ampliam a análise e apontam para as transformações sociais ocorridas até 2025.
Espero que este diálogo entre passado e presente contribua para uma reflexão mais profunda e inspire a luta por uma sociedade que valorize todas as formas de beleza e o respeito integral ao ser humano.
Sonia Lupion Ortega Wada
Século XXI, a era dos corpos perfeitos
Entrei no século XXI quase quarentona, sentia-me bem, ainda cheia de vida e beleza. Não demorou muito para saber que fui excluída do convívio social porque estava na casa dos quarenta e com o corpo fora dos padrões estabelecidos. A feiura é uma das formas mais presentes de exclusão social feminina. Então, entrei morta no século XXI, tomando a gordura aqui como paradigma da feiura. A imagem da mulher e do feminino continua associada à da beleza, havendo cada vez menos tolerância para os desvios dos padrões estéticos socialmente estabelecidos. As imagens refletem corpos super bem trabalhados, sexuados, respondendo sempre ao desejo do outro. Ou corpos medicalizados, fabricados à base de silicones, lipoaspirações e tantos recursos maravilhosos que a ciência nos proporciona. Uma corrida contra o envelhecimento.
Para a mulher, a beleza é um dever cultural: ser bela é ser magra. Não basta ser boa mãe, esposa dedicada ou profissional competente; é preciso estar bela para ser valorizada socialmente. O olhar do outro está sempre procurando nossos defeitos. Não é difícil perceber por que a feiura adquire um peso dramático na estética feminina. A beleza deve ser apreciada em detalhes: um simples desleixo já é um bom motivo para que a feiura apareça — um esmalte descascado, uma depilação por fazer, uma raiz para retocar.
Onde enquadramos as gordinhas? Por mais bem cuidadas, com cabelos impecáveis, maquiagem perfeita e roupas da última moda, todos os sacrifícios são inúteis: são rotuladas de gordas, fora dos padrões sociais. São agredidas psicologicamente pela tirania do corpo perfeito. As magras passam por torturas doloridas, passam fome, malham horas para manter a forma, gastam fortunas com cosméticos, cabeleireiros, cirurgias e outros artifícios. Acabam matando o próprio ego para manter vivo o corpo. Uma verdadeira tirania à sua autoestima: uma ruga pode ser sua infelicidade.
O fato é que nem as magras nem as gordas estão satisfeitas com o padrão de beleza estabelecido pela sociedade. É uma luta diária para ser aceita por um grupo social. E pensar que, no universo masculino, tudo é mais leve, mais simples: a beleza masculina está vinculada a traços agressivos e exagerados, vistos como sinônimos de virilidade. A rigidez com a beleza ancora-se na vida atribulada pela falta de tempo. Embora exista um crescente mercado voltado para a beleza masculina, ainda reina uma visão preconceituosa, que encara os cuidados excessivos como prática gay.
Na mulher, a falta de esforço e de cuidados com a aparência leva à perda da identidade sexual. O impacto que a feiura tem sobre a imagem da mulher é que a feia é menos feminina. O terror que se abate sobre a feiúra traz uma série de prejuízos sociais, psicológicos e físicos. O feio vive uma tensão constante entre o constrangimento psicológico e as exigências simbólicas.
Sabemos que a nossa cultura exige um comportamento exagerado da mulher na questão da beleza. Quando a mulher está satisfeita com sua aparência pessoal, com seu corpo, sente-se segura, tem uma boa relação amorosa, familiar e profissional. Infelizmente, o homem brasileiro ainda dá muito valor ao corpo; eles exigem um corpo perfeito, sem gorduras localizadas, sem celulites. A nossa cultura despreza o Ser — mulheres sensíveis, inteligentes, dinâmicas, grandiosas. Isso é loucura, é obsessão e está escravizando cada vez mais as mulheres. Será que ser belo é ser jovem? Parece-me impossível encontrar o belo fora da juventude. E pensar que, na Europa, as pessoas vivem 80, 90 anos, livres, saudáveis e despreocupadas com a estética, com a beleza. As mulheres são felizes, realizadas e amadas pelo que são, jamais pelo seu corpo. Hoje, vemos no Brasil mulheres jovens, de 40, 50 anos, solitárias e completamente desesperançadas, achando impossível encontrar um parceiro, porque a preferência masculina é pelas mais jovens e de corpo bem feito.
É grosseira e desumana a discriminação estética imposta pelos parâmetros ditatoriais das medidas, juntamente com o julgamento do obeso como uma pessoa que não tem força de vontade e que é assim por ser preguiçoso. Cogitar deixá-lo do jeito que estiver, principalmente se estiver se sentindo bem com isso, nem pensar. O policiamento cultural é intenso. O enfoque discriminatório pode gerar preconceito em relação à pessoa obesa; acaba proporcionando dificuldades para relacionamentos sociais e afetivos, problemas para encontrar emprego e até quadros psiquiátricos gravemente depressivos consequentes a essa marginalização.
Temos um mercado consumidor de “porcarias”. Doces, balas e sorvetes desfilam pela mídia, incentivando as mães a entupir suas crianças com guloseimas. Um apelo cultural da mídia que é uma armadilha para aqueles que não possuem conhecimento e acesso aos alimentos nutritivos e saudáveis, associados à preguiça de prepará-los, tem sido uma das causas da obesidade infantil e adulta.
De fato, romper esses estereótipos culturais tem sido muito difícil. As pessoas são catalogadas culturalmente e classificadas em categorias sociais: jovens e belas, modernas, avançadas, de atitude, arrojadas, descoladas. Enfim, nesse mundo pretensamente liberal e democrático, nessa sociedade que se diz respeitar a individualidade e autenticidade, quem não se enquadrar obrigatoriamente no modelinho da modernidade desejada estará automaticamente excluído do mundo das pessoas “de bem”. E um desses modelinhos implica na observância obsessiva dos limites do peso, tiranicamente estabelecidos por sabe-se lá quem.
Eu vejo uma luz no fim do túnel: a educação alimentar e cultural. Também é preciso cortar as algemas do preconceito. Temos exemplos daqueles que conseguem seguir o próprio caminho, emancipados dos estereótipos ou modelinhos culturais, e que parecem viver muito melhor. Todos querem a felicidade.
Acréscimos para 2025
Nos dias atuais, a pressão sobre os corpos é amplificada pelas redes sociais, que criam um palco constante para a exposição e a comparação. Influencers, celebridades e filtros digitais impõem padrões ainda mais inalcançáveis, gerando ansiedade, baixa autoestima e distúrbios de imagem para pessoas de todas as idades. A cultura do “corpo perfeito” digitalizado, muitas vezes irreais, reforça ainda mais a exclusão daqueles que não se encaixam nesses modelos fabricados.
Ao mesmo tempo, crescem movimentos de valorização da diversidade corporal, como o “body positivity” e “body neutrality”, que buscam desconstruir padrões rígidos e promover o respeito a todas as formas, idades, cores e habilidades. Essa luta pela inclusão e pela ampliação do conceito de beleza é fundamental para romper o ciclo de violência simbólica que acomete tantas pessoas.
Além disso, o debate atual sobre saúde integral enfatiza que o foco não deve estar apenas na estética, mas no bem-estar físico e mental, promovendo hábitos que respeitem a individualidade e o ritmo de cada corpo, longe da ditadura do emagrecimento a qualquer custo.
No universo masculino, o cuidado com a aparência tem ganhado espaço e mercado, mas ainda há preconceitos enraizados sobre masculinidade e expressões de cuidado pessoal. Reconhecer essas pressões e desconstruir os estereótipos de gênero também é parte essencial para avançarmos numa sociedade mais justa e saudável.