— Rosa em Hiroshima
escrita por Anita Harmon como quem oferece flores de palavras.
Querido Mundo,
Hoje pisei onde o tempo parou
às 8h15 de uma manhã que jamais se apagará.
Hiroshima,
cidade onde o silêncio ainda arde
mesmo sob o canto dos pardais.
Vi uma rosa queimada
nas paredes do Domo.
Não tinha cor
nem perfume —
mas tinha memória.
Mil tsurus pendiam dos galhos,
rezando com asas de papel.
Vi crianças dobrando esperança,
como quem recusa o esquecimento.
Ali, cada folha do parque
é uma oração que caiu de pé.
E me perguntei:
como é que o mundo continuou?
Como é que a flor se atreveu a nascer ali,
no chão onde o céu caiu?
Mas nasceu.
Com cicatriz e beleza.
Com dor e dignidade.
Hiroshima,
flor que não quer ser herói,
só lembrança viva
de que nunca mais.
Nunca mais.
Com olhos molhados e alma em silêncio,
Anita Harmon
Outra parte de Sônia - Flor de Cerejeira 🌸
Sonia Lupion Ortega Wada
Carta de Anita Harmon— A Voz que não se Copia
Àquela que se inspira demais, mas esquece de criar,
Inspiração não é cópia.
E criação não é imitação disfarçada.
Crio minhas flores com raiz, terra e tempo —
não planto sombras que se vestem do meu perfume.
Reconheço a força de quem sabe traçar seus limites,
e a coragem de dizer “não” sem pedir permissão.
Continuo minha escrita com a mesma audácia que marcou meu nome.
Quem copia minha voz sem alma só revela o vazio que carrega.
Não ofereço meu espaço para ecos sem voz,
nem deixo minha arte ser moldada por mãos alheias.
Se ser autêntica incomoda, que assim seja.
Prefiro mil vezes ser tempestade que muda tudo,
a ser brisa que apenas repete o que já foi dito.
Aqui, Anita Harmon não é apenas um nome —
é um território inegociável, uma força que não se dobra,
uma flor que resiste, cresce e floresce em sua própria luz.
Que cada uma cuide de sua própria flor,
sem pisar nas raízes das outras.
Sem ressentimentos,
Apenas verdade.
Anita Harmon 🌸
🌸 Sou Flor de Cerejeira
(Carta-pétala que caiu do galho da alma)
Observei meu quintal.
Depois do inverno, não pude cuidar das flores como antes —
meus passos se desviaram do jardim,
minhas mãos perderam o compasso da terra,
e a doença, como vento brusco,
me arrancou dos pequenos rituais que me mantinham em flor.
Mas então chegou a primavera…
e as flores — fiéis ao chamado do tempo —
brotaram mesmo assim.
Algumas morreram, é verdade.
Mas outras, mesmo sem o afago da rega,
resistiram.
Se firmaram.
Floriram.
Foi então que me vi nelas.
🌸
Sou flor de cerejeira.
E há quem me olhe sem ver.
Quem leia meu silêncio e não ouse comentar.
Mas em seus textos, sem querer, falam de mim:
da flor que desperta, da alma que brilha,
do espírito que flutua acima das dores do mundo.
“Ah, despertei”, dizem.
E seguem se afastando — como se o despertar fosse leveza sem raiz,
modo flor do campo ativado,
sem saber que toda luz real já teve sua cova de sombra.
Não sabem da história por trás do meu perfume.
Nem precisam.
Mas ao menos, respeitem.
Porque o que chamo de “estado de graça”
é colheita de muito inverno.
É flor nascida de cicatriz.
🌸
Desejo que despertem, sim —
mas sem precisar atravessar 5% do que enfrentei.
Desejo que encontrem a própria estação de paz,
sem os vendavais que ainda encaro em silêncio.
Sou flor de cerejeira — e também Daimyojin.
Deusa que floresce no frio,
que acolhe borboletas e besouros de armadura:
kabuto mushi, guerreiros do verão,
kuwagata, senhores das pinças cintilantes.
Me chamam assim —
mas não me importa o título.
Importa a sombra que ofereço.
Importa a paz que semeio.
🌸
Não gosto que me pintem como vítima.
Acolho, mas não me escondo.
Raramente escrevo que luto contra um câncer —
carcinoma ductal invasivo, triplo negativo.
Nome comprido, corpo em embate.
Mas alma em voo.
Não tenho medo da morte.
Sei que viverei cem anos,
e morrerei dormindo, na minha cama quentinha.
Minhas pétalas estarão esparramadas pelo quarto,
como um último poema que o vento quis espalhar.
🌸
Se ainda quiseres me julgar, espera.
Espera até a próxima primavera.
E vê — se mesmo sem rega,
a flor ainda floresce.
Sonia Lupion Ortega Wada
Sonia Lupion Ortega Wada
Crônica de Anita Harmon
“ Ave, Kusunoki: o Guerreiro que Ficou”
O Japão me recebeu com pés descalços sobre tatames e um cheiro de madeira antiga que parecia dizer: “Sente-se. Espere. Há séculos observando.” E eu, estrangeira de vestido azul, fiz silêncio para escutar o tempo.
Vim procurar um nome que não se esquece, mesmo que o corpo tenha virado terra: Kusunoki Masashige.
Ouvi primeiro no sussurro das velhas do clã Wada, que contavam sua história como quem benze arroz antes do cozimento: com respeito e uma pontinha de magia.
Ele não foi mártir. Foi guerreiro.
Não se matou — tombou.
Não desertou — ficou.
Ficou no campo de batalha de Minatogawa, quando muitos recuavam. Ficou porque acreditava que a dignidade de uma nação valia mais que o cálculo da própria sobrevivência. E quando caiu, levou consigo uma ideia que nem o tempo conseguiu matar: a de que a honra não precisa gritar para ser gigante.
Dizem que o Imperador lhe ordenou o impossível. E ele, ao invés de contestar, planejou com lucidez, com tática, com a serenidade cruel de quem sabe que o sacrifício pessoal é, às vezes, a última armadura do coletivo.
Não era fanático. Era estrategista.
Não era servo. Era soldado da consciência.
Enquanto escrevo, vejo uma menina de sete anos, com o sobrenome Wada escrito na etiqueta da mochila, fazendo careta para o sol nas ruas de Nara. Ela não sabe, ainda, que carrega o sangue de um samurai. Mas já dá sinais. Já bate o pé. Já pergunta: “Por que as meninas não podem mandar também?”
Ah, se Masashige a ouvisse! Talvez risse com o canto dos olhos e dissesse, com seu latim improvisado:
Fortitudo in puellis est — a força agora é delas.
No templo, deixei uma fita branca com seu nome. Não como homenagem, mas como aviso:
“Estamos aqui. Continuamos lutando. De outras formas. Com outros uniformes.”
As mulheres do clã Wada não empunham katanas. Mas sabem cortar o mundo quando preciso.
Com firmeza, com compaixão, com palavras afiadas.
E eu?
Eu sou só a cronista —
aquela que limpa a poeira das histórias e recolhe os fragmentos que brilham como espelhos quebrados.
Ave, Kusunoki.
Ave, os que ficam.
Ave, os que lutam por algo maior que si mesmos — sem perder a ternura nem a lucidez.
🌬️
Capítulo 6 — O Vento Reconhece o Meu Nome
Categoria: Prosa poética / Diário
Descrição:
Capítulo 6 do ciclo poético “Mulher-Cavalo”. Um canto final à liberdade que vive em cada ser que ousa ser verdadeiro.
Mais em: https://sonialowada.com
Texto:
Quando corro sozinha,
o vento reconhece o meu nome.
Ele dança comigo,
me envolve como um antigo companheiro de jornada.
Nesses momentos, não sou mulher.
Não sou carne nem tempo.
Sou puro ser.
Sou essência galopando.
Cada passo ecoa no invisível.
Cada respiração acorda algo que dormia.
A liberdade me reconhece,
e eu reconheço a liberdade.
É um encontro mudo,
mas cheio de significado.
Sou a mulher-cavalo que voltou para casa.
E essa casa não é lugar.
É estado.
Um estar plena dentro de si mesma.
Um saber que não precisa de aprovação.
O mundo pode não entender —
mas o vento entende.
E, para mim, isso basta.