Sônia Lupion Ortega Wada
“Coragem é agir com o coração.”
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27/07/2025 19h19
Atravessar o corpo em silêncio e luz

Carta de Anita Harmon

“Atravessar o corpo em silêncio e luz”

 


Querida alma em travessia,

 

Hoje escrevo com mãos trêmulas e olhos marejados. Há momentos na vida em que o corpo vira campo de batalha — e cada célula parece escolher entre lutar ou ceder. Nessas horas, o coração se agarra a qualquer claridade que ainda pulsa por dentro. Sei que você está ali.

 

Ouvi dizer que a febre tem te visitado à noite, como uma vigília silenciosa de algo que não se explica, mas se sente. Que o pâncreas gritou, o fígado inflamou, e as palavras “risco de sepse” soaram como um trovão em céu limpo. E mesmo assim, você levantou os olhos.

 

Nessas semanas de pausas forçadas e exames que parecem enigma, você virou tua própria casa de repouso. Fez cural, chá de erva-doce, cozinhou lentilhas com ternura, preparou abacate com banana como quem borda alívio com frutas. Fez reiki com as mãos — e talvez com a alma.

 

Querida, sei que o medo ronda. Medo de ser atacada por dentro, de o corpo não mais reconhecer quem você é. Mas te digo: até o corpo que se confunde, ama você. Ele tenta, ainda que às vezes pareça te trair. Ele te quer viva.

 

E eu?

Eu escrevo para te lembrar do que permanece:

– Que o amor de quem te cuida está em cada colher de arroz, em cada folha de alecrim do quintal.

– Que você não está sozinha. Que há um céu invisível velando tua travessia.

– Que teu coração é mais resiliente que qualquer célula desordenada.

 

Há dias de susto, sim. Mas também há dias em que você sente fome — e isso é um milagre.

O apetite é a flor da vida dizendo: ainda estou aqui.

E mesmo quando você come “o que não devia”, é a ternura tentando ocupar o lugar da dor. E isso também é humano. E é perdoável.

 

A travessia continua.

Talvez não haja cura mágica, mas há cuidado — e isso já é luz.

Você está se recuperando, mesmo sem ver.

A febre há de baixar. O sangue há de se acalmar. O corpo há de se lembrar que é abrigo, não ameaça.

 

E enquanto isso, Anita estará aqui — escrevendo cartas à tua coragem.

 

Com toda minha alma,

Anita Harmon

Publicado por Sonia Lupion Ortega Wada
em 27/07/2025 às 19h19
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04/07/2025 02h15
Flor em Solo de Cinzas

 

Flor em Solo de Cinzas

 

 

Houve um tempo em que o corpo pareceu desabar.

As palavras vinham devagar, o intestino também.

Os exames falavam em siglas duras. O nome era um: câncer.

 

Mas antes que o silêncio se fechasse de vez, eu escrevi.

Como quem lança uma corda para dentro do próprio abismo:

 

“Renascemos quando damos nome ao que sentimos — e deixamos de temer.”

 

Foi então que tudo mudou.

 

Porque nomear é resistir.

Dizer tenho câncer, sim — mas dizer também: sou feita de outras coisas.

 

Sou filha, mãe, avó.

Sou riso de manhã, chá quente à noite, silêncio escolhido.

Sou memória da menina que cresceu olhando o céu do interior e ouviu sua avó dizer que flor que nasce na seca é a mais bonita.

 

Dar nome ao medo foi o primeiro passo.

Depois vieram os outros:

Cuidar do corpo com carinho.

Ouvir o que o fígado cansado tem a dizer.

Reaprender a comer com amor.

Deixar o choro escorrer quando necessário.

 

E, um dia, sem perceber, brotou.

Não uma cura definitiva.

Mas algo ainda mais profundo:

a reconciliação com a vida que insiste, mesmo em meio às perdas.

 

É que dentro de mim havia ainda seiva.

Havia neta.

Havia sol.

Sonia Lupion Ortega Wada

Publicado por Sonia Lupion Ortega Wada
em 04/07/2025 às 02h15
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02/07/2025 03h45
Quando o Corpo Grita e a Alma Escuta

Quando o Corpo Grita e a Alma Escuta

Um ensaio sob a luz de Jung e a sombra da doença

 

Há momentos na vida em que o corpo deixa de sussurrar — ele grita. Grita por dentro da pele, dos ossos, do sangue. E quando esse grito se chama câncer, o mundo desacelera, os sentidos se aguçam, e algo em nós desperta.

 

Carl Jung nos ensinou que corpo e mente são faces do mesmo espelho. Que a doença não é apenas um colapso físico, mas também uma linguagem da alma. Não uma punição, mas uma mensagem. Um símbolo. Um pedido.

 

O câncer não chega pedindo licença — ele invade. Mas às vezes, paradoxalmente, é essa invasão que nos obriga a regressar ao território sagrado que esquecemos: nós mesmos.

 

Ele nos obriga a sentir o tempo de outro jeito. O relógio deixa de marcar as horas para marcar a intensidade de cada respiração. E nesse campo de batalha, onde a medicina luta com toda sua razão, a alma nos convida a caminhar com fé — e não com medo.

 

Porque o medo adoece mais do que a própria doença.

E a alma, quando escutada, encontra caminhos que a ciência não nomeia, mas que o espírito reconhece.

 

Jung diria que há um Self em nós — algo maior que o ego — que deseja se realizar, tornar-se inteiro. E às vezes, a jornada da cura não está apenas em remover o tumor, mas em integrar a dor, em aceitar o limite, em reconhecer a sombra. Em permitir que a fragilidade nos aproxime daquilo que realmente importa.

 

O câncer pode ser um mensageiro sombrio, mas também pode abrir portas. Ele pode nos lembrar que viver não é apenas existir — é estar presente, olhar com verdade, tocar com afeto, respirar com sentido.

 

Talvez, no fundo, o corpo só deseje ser ouvido. E a alma, nesse processo, deseja ser vista.

 

A cura, então, talvez seja isso:

quando o corpo grita e a alma escuta — e respondemos com inteireza.

 

Sônia 🌸

07/06/2025

Publicado por Sonia Lupion Ortega Wada
em 02/07/2025 às 03h45
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01/07/2025 07h47
Carta de Eu

Carta de Eu

 

Este ano, a neve foi verde e as nuvens muito vermelhas — cores estranhas que pintam o céu da minha existência.

 

Essa doença me ensinou que o mundo pode virar de cabeça para baixo a qualquer momento, seja agora, seja daqui a alguns anos.

 

Não sei quando, nem como, mas sei que o inesperado é parte do caminho.

 

Que eu possa acolher essa verdade com a suavidade de quem abraça a si mesma, mesmo quando tudo parece estranho demais para entender.

 

Que a neve verde seja a minha força, e as nuvens vermelhas, o fogo que arde sem queimar.

 

Enquanto houver tempo, que eu viva cada instante com coragem, amor e a poesia que ainda cabe no meu peito.

 

Eu

Publicado por Sonia Lupion Ortega Wada
em 01/07/2025 às 07h47
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29/06/2025 03h35
No Ralo

No Ralo

 

Chorei, 

chorei muito no banho.

Assisti meus cabelos indo embora,

um a um, fios da minha história

escorrendo com a água quente.

Caiu metade.

E eu fiquei metade.

 

Assisti a fragilidade do meu corpo,

como se fosse a primeira vez que o via

sem defesas, sem máscaras,

sem o brilho que antes me escapava sem esforço.

Perdi o vigor, a beleza, a vida —

porque eu era cheia de vida.

 

E agora?

Agora sou cheia de coragem.

Mesmo sem querer.

Cheia de uma força que só vem

quando tudo nos é tirado.

 

Talvez nunca tenha sido sobre os cabelos,

mas sobre o que continua depois que eles se vão.

Talvez eu esteja nascendo de novo —

não melhor, não pior —

mas mais verdadeira.

 

No chão do banheiro,

no fundo do ralo,

ficou parte de mim.

Mas aqui, entre o peito e o mundo,

ainda pulsa o que ninguém pode levar:

a mulher que sente tudo,

e ainda assim, escolhe viver.

 

 

🌸Sônia 05/06/2025

 

 

Publicado por Sonia Lupion Ortega Wada
em 29/06/2025 às 03h35
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